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A banca na encruzilhada climática: resiliência e financiamento sustentável
Por Dina Rato, ROC e senior advisor em Governance, Risk & Compliance
24 Set 2025 - 17:26
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Os alertas sobre os riscos do aquecimento global multiplicam-se. O World Economic Forum estima que um aumento de 2ºC até 2050 pode implicar reduções do EBITDA (Resultados antes juros, impostos, amortizações e depreciações) até 15% em certos setores, e que um cenário de aumento de 3ºC pode elevar as perdas para mais de 25%. Para travar esta trajetória, a União Europeia (UE) lançou em 2019 o Pacto Ecológico Europeu, com a meta de neutralidade carbónica em 2050 e fortes reduções de emissões até 2030, incentivando o investimento em atividades ambientalmente sustentáveis, conceito que clarificou na Taxonomia Europeia.
A prossecução destes objectivos implica investimento e correspondente financiamento. O financiamento (ou finanças) sustentável integra fatores ambientais, sociais e de governança (ASG ou ESG) nas decisões financeiras, promovendo investimentos de longo prazo em projetos que apoiem a transição climática, a preservação da biodiversidade, a prevenção da poluição e a economia circular. O setor financeiro, e a banca em particular, que são fundamentais para alocar capital a projetos de transição e ambientalmente sustentáveis, está obrigada a divulgar rácios de ativos verdes, como o Green Asset Ratio (GAR) e o Banking Book Taxonomy Alignment Ratio (BTAR), bem como a sua exposição a setores intensivos em emissões, que permitam monitorização e acompanhamento.
A Autoridade Bancária Europeia (EBA) lançou em abril de 2025, e atualizou em agosto, o ESG dashboard, que acompanha indicadores-chave sobre financiamento sustentável e riscos climáticos no setor financeiro europeu, com dados entre dezembro de 2023 e 2024. O risco climático afeta o setor financeiro por via dos riscos físicos (perdas financeiras resultantes de eventos climáticos extremos) e riscos de transição (por via das perdas financeiras associadas aos esforços e medidas de adaptação).
O que revela o ESG dashboard da EBA? A exposição média da banca europeia a setores que contribuem significativamente para as alterações climáticas tem variado entre 61% e 64%, com particular peso dos setores de indústria, imobiliário e comércio grossista e retalhista. A exposição média da banca portuguesa a estes setores manteve-se em linha com a média europeia, exceto em dezembro de 2024, quando atingiu 70%. Neste período, destacou-se uma preponderância superior à europeia nos setores da indústria e da construção, e inferior no setor imobiliário.
O nível de concentração nos 20 setores mais intensos nas emissões de gases com efeitos de estufa da banca portuguesa varia entre 0,17% e 0,02%, inferior à média da banca europeia de 0,5%. Em dezembro de 2024, a exposição hipotecária da banca portuguesa a categorias energéticas mais eficientes (kWh/m2 igual ou inferior a 200) era de cerca 80%, superando largamente a média da banca europeia e espanhola de aproximadamente 50% e 47%, respetivamente.
O rácio de ativos verdes (GAR) da banca portuguesa em dezembro de 2024 a empresas não financeiras, era de cerca 9%, acima do equivalente GAR médio da banca europeia e espanhola de 6% e 8%, respetivamente. Em dezembro de 2024, os outros ativos de financiamento a atividades climáticas da banca portuguesa, não incluídos no GAR, ascendem a cerca 1,5%, aquém dos 3,6% e 2,9% da média da banca espanhola e europeia; sendo que em Portugal o recurso a obrigações é 0,9%, superior aos da média europeia e espanhola que não ultrapassam os 0,3%, em detrimento do recurso a empréstimos que em Portugal é cerca 0,6% abaixo dos 3,5% e 2,6% das médias da banca espanhola e europeia, respetivamente.
Em resumo, a banca portuguesa apresenta um nível muito superior de eficiência energética no crédito hipotecário e um rácio de ativos verdes (GAR) nos setores não financeiros acima da média europeia, o que demonstra um alinhamento positivo com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu. A subida em dezembro de 2024 para 70% da exposição a setores que contribuem significativamente para as alterações climáticas indica uma vulnerabilidade acrescida a riscos de transição, num contexto de maior exposição aos setores da construção e da manufatura; em contraposição com os níveis de concentração nos 20 setores mais intensivos em emissões de gases com efeitos de estufa, bem abaixo da média europeia.
A banca portuguesa tem optado por uma estratégia de financiamento sustentável, além dos que constam no rácios de ativos verdes (GAR/BTAR), que privilegia significativamente mais a emissão de obrigações, que os seus pares europeus, só superada pela banca do Luxemburgo com 1,4% de financiamento sustentável exclusivamente de obrigações, além GAR/BTAR. Portugal surge como aluno aplicado: rácios de ativos verdes ao setor não financeiro acima da média, hipotecas mais limpas, menor concentração em setores tóxicos. Mas tudo isto acontece dentro de um continente que já é dos menos emissores e dos mais regulados. A Europa não pode correr sozinha numa corrida contra o aquecimento global.
A economia verde global tem vindo a crescer substancialmente, foi avaliada em 7,9 biliões de USD no primeiro trimestre de 2025, ou 8,6% de capitalização bolsista (LSEG, 2025). Desde 2020, as empresas em economia verde apresentam desempenho bolsista acima da média. O mercado de obrigações verdes ascende a 2,9 biliões de USD e teve um recorde de novas emissões de 572 mil milhões de USD em 2024 (LSEG, 2025). Desde 2020 que obrigações sociais e ligadas à sustentabilidade, em termos mais latos, têm proliferado, principalmente nas economias desenvolvidas, sendo que, em 2024, apresentavam volumes 60% a 70% inferiores aos das obrigações verdes. Ainda assim, estimativas do Programa Ambiental das Nações Unidas indicam que seria necessário o triplo do investimento até 2030 para alcançar os objetivos definidos na Convenção do Rio.
As finanças sustentáveis são hoje uma fronteira de oportunidade e responsabilidade. A banca tem o poder de acelerar a descarbonização, financiar inovação e influenciar a sociedade na luta contra o aquecimento global. Poderá ser agente de transformação se souber equilibrar ambição com gestão rigorosa dos riscos climáticos, transformando o setor não apenas em financiador da mudança, mas em exemplo de adaptação e resiliência.
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