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A importância dos laços sociais nas empresas

As relações estabelecidas no contexto laboral são importantes para o bem-estar das pessoas. O teletrabalho e ambientes competitivos, por sua vez, aumentam o isolamento. Por Maria Luísa Pedroso de Lima, professora catedrática de Psicologia do ISCTE.

03 Nov 2025 - 10:35

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Foto: Unsplash

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Os laços sociais têm um papel central no nosso bem-estar, saúde e felicidade. Relações de confiança e apoio reduzem o risco de doenças, aumentam a longevidade e favorecem a recuperação. Contudo, os dados recentes revelam uma diminuição das amizades presenciais e um aumento da solidão. Neste artigo trazemos estes resultados da investigação para o contexto de trabalho, onde sabemos que os relacionamentos de qualidade promovem o envolvimento, a satisfação e a produtividade, mas o teletrabalho e ambientes competitivos aumentam o isolamento. Promover relações de qualidade, cooperação e atividades de sincronização organizacional ajuda a combater a solidão, fortalecendo as empresas e as pessoas.

Laços sociais, saúde e felicidade

Todos os estudos sobre a felicidade e sobre a qualidade de vida apontam muito claramente para o papel fundamental dos laços sociais positivos com as pessoas que nos rodeiam. É determinante para o nosso bem-estar ter ao nosso lado pessoas em quem confiamos, que nos aceitam como somos, que estão presentes nos momentos bons e nos menos bons, que nos ajudam a pensar quando temos de tomar decisões difíceis e com quem podemos desabafar sem nos sentirmos julgados. Não precisamos de ter muitas destas relações, nem precisamos de estar sempre com estas pessoas, mas saber que podemos contar com elas é, só por si, um enorme recurso de bem-estar e mesmo de saúde. De facto, ter amigos faz bem à saúde. As pessoas que estão envolvidas em relações sociais recíprocas e de confiança têm maior esperança de vida, menor suscetibilidade a infeções, uma recuperação mais rápida de doenças e menor probabilidade de contrair uma série de doenças, nomeadamente cardíaca.

Mas o nosso padrão de relacionamento social está a mudar. Num estudo realizado nos estados unidos com dados do Time Use Survey verificou-se que o tempo médio passado presencialmente com amigos diminuiu 20h por mês, entre 2003 e 2020.  Em contrapartida, o tempo passado sozinho aumentou 24 horas por mês no mesmo período. Em Portugal, esta tendência também se verifica. Num estudo recente que desenvolvi com os colegas Cristina Camilo, David Rodrigues e Ângela Romão junto de 1000 adultos pudemos verificar que o número de amigos próximos diminuiu nos últimos 10 anos, em particular entre as pessoas com menos recursos económicos, e que a frequência do convívio presencial com amigos diminuiu de forma significativa entre os mais jovens. Os contactos fazem-se agora mais frequentemente online, de forma dessincronizada, e chamamos “amigos” a pessoas com quem só interagimos virtualmente e “grupos” a conjuntos de pessoas que estão ligados numa rede social. Esta evolução nos relacionamentos parece estar a ter um preço: o aumento do sentimento de solidão, que também verificámos no nosso estudo. De facto, há evidências claras de que, por todo o mundo, cada vez mais pessoas se sentem frequentemente ou quase sempre sós. E que este número cresce principalmente entre as pessoas mais jovens, entre os mais pobres e nas pessoas que pertencem a grupos marginalizados. Há mesmo quem chame mesmo a este, o século da solidão, o que é triste e preocupante.  De tal modo preocupante que a Organização Mundial de Saúde declarou em 2023 a solidão um tema de preocupação global para a saúde, e criou uma comissão para analisar este problema.  É que existe uma evidência científica avassaladora na área das ciências sociais da saúde que mostra que o isolamento social e a solidão têm consequências negativas para a saúde: aumentam o nível de tensão e stress do organismo, perturbam a qualidade do sono, aumenta a suscetibilidade a infeções e a probabilidade de morte precoce.

Por outro lado, nem todos os relacionamentos próximos são promotores de saúde. Os maus relacionamentos (por exemplo, afetos não correspondidos, relações ambivalentes ou tóxicas, as relações de abuso ou de violência) são uma enorme causa não só de sofrimento psicológico, de stress e de doença física (como a solidão), mas para além disso podem minar outros relacionamentos sociais e a autoestima. O nosso diz povo diz que “mais vale só do que mal-acompanhado” e a investigação parece dar-lhe razão embora estejamos a comparar duas situações de grave risco para a saúde física e mental.

Laços sociais nas empresas

Mas nem só de relacionamentos próximos se faz a saúde física e mental. Para além das amizades próximas, há outros laços sociais menos íntimos que são importantes para a nossa saúde e felicidade. Falo das relações com vizinhos, com familiares, com pessoas em grupos recreativos, religiosos, desportivos ou culturais, com quem partilhamos experiências e que nos fazem sentir integrados, ligados ao mundo. E claro, das relações de trabalho.

Os laços sociais nas empresas são fundamentais. No estudo que referimos acima, 45% dos inquiridos conheceu um dos seus amigos mais próximos no local de trabalho. E a literatura organizacional salienta consistentemente a importância das relações positivas com os companheiros de trabalho, sejam eles sejam eles pares, ou de nível hierárquico diferente. De facto, a qualidade dos relacionamentos é há muito reconhecida como um determinante importante da satisfação no trabalho, da confiança na organização, do envolvimento com o trabalho e das intenções de permanecer na empresa. Quem mantém relacionamentos positivos no local de trabalho encontra mais significado naquilo que faz, é mais feliz e torna-se mais produtivo. Este resultado compreende-se se detalharmos o que se entende por relacionamentos positivos no local de trabalho. São relacionamentos em que as pessoas se sentem respeitadas e ouvidas, em que têm feedback específico sobre o que fazem, e por isso se sentem motivadas e envolvidas num clima de cooperação, a contribuir para os objetivos da empresa. Não é preciso que as pessoas sejam todas grandes amigas no local de trabalho. A existência de amizades no local de trabalho pode ser um fator de satisfação, motivação e produtividade acrescida, porque a relação próxima estabelece uma base de confiança e de comunicação que facilita as interações de trabalho. Mas também pode ter inconvenientes, por poder desestabilizar a dinâmica da equipa criando cliques, por poder dar origem a decisões enviesadas e porque é fácil haver confusão entre as fronteiras pessoais e profissionais, especialmente quando existem diferenças hierárquicas entre as pessoas envolvidas. Por essa razão, o código de ética de muitas empresas obriga a declarar relacionamentos pessoais íntimos entre pessoas da mesma organização. Trata-se de situações pontuais que não ocultam a evidência de que a qualidade dos laços sociais nas empresas são um enorme recurso para os indivíduos e para as organizações.

O outro lado da moeda, o lado negro dos relacionamentos, também se aplica no contexto das empresas. Há relações tóxicas, de abuso, assédio e de discriminação nas empresas que são grande causa de sofrimento psicológico, com consequências para a saúde física e para a produtividade dos colaboradores. E a solidão também existe no local de trabalho. As relações de trabalho também se modificaram, com uma diminuição substancial dos contactos presenciais e o aumento do sofrimento psicológico associado à perceção de falta de relacionamento social ou de relações de baixa qualidade no local de trabalho. O Relatório Gallup em 2024 sobre o estado dos locais de trabalho no mundo mostra que 20% dos trabalhadores se sentiu muito só no dia anterior ao inquérito, e que este valor é mais elevado junto dos trabalhadores mais jovens, dos mais precários e junto dos que fazem mais frequentemente teletrabalho.  A investigação sobre este tema é mais recente, mas mostra que se trata de um fenómeno prevalente em todo o mundo.  Alguns estudos analisaram as condições que promovem a solidão no local de trabalho e apontam para algumas variáveis contextuais (os mais jovens, a situação de precaridade, o número de horas em teletrabalho) mas também para a importância do clima organizacional. Os climas organizacionais têm o potencial de influenciar a qualidade das relações interpessoais vividas no trabalho. Por exemplo, alguns ambientes de trabalho incentivam ativamente a cooperação, a simpatia e a harmonia social entre os funcionários, enquanto outros locais de trabalho podem incentivar o individualismo, a desconfiança e a competitividade. Quanto mais tempo uma pessoa permanece num clima social negativo e exposta a relações interpessoais perturbadoras, maior é a probabilidade de se sentir solitária e isolada. Quanto mais os trabalhadores estão integrados em tarefas interdependentes que promovem comportamentos de apoio, menos se sentem isolados e solitários.

O que também está a tornar-se muito claro na investigação é que a solidão no local de trabalho não é boa para as empresas. Os trabalhadores que se sentem sós apresentam índices significativamente mais elevados de stress e maior intenção de sair em comparação com os trabalhadores que não se sentem solitários. Também são menos comprometidos com a organização, menos satisfeitos e apresentam níveis mais baixos de bem-estar no local de trabalho. A tese de mestrado da Marisa Carochinho no ISCTE com uma amostra de trabalhadores portugueses chega às mesmas conclusões: quem trabalha mais horas em teletrabalho sente-se mais só e a solidão está associada a um menor compromisso organizacional. Com o rápido aumento da digitalização e do trabalho remoto nas empresas, a solidão no local de trabalho deve ser uma preocupação séria.

O que fazer?

Em primeiro lugar, temos de investir em ligações de alta qualidade no trabalho: ligações marcadas pela vitalidade, mutualidade e consideração positiva. A investigação efetuada por Jane Dutton e colegas demonstrou que a promoção de relações de elevada qualidade é muito positiva para a organização – aumentando o empenho e o envolvimento – e para o indivíduo – aumentando a satisfação e o bem-estar. É preciso formar os líderes em comunicação e em gestão de equipas, para que saibam reconhecer o valor e transmitir inspiração aos seus colaboradores. Para que aprendam a valorizar não só os aspetos instrumentais, mas também as competências relacionais e o comportamento colaborativo. Outra possibilidade é aprenderem a planear atividades que permitam interações positivas nas reuniões (mesmo que sejam online) e que possibilitem que as pessoas se conheçam um pouco melhor. Deste modo estarão a promover relacionamentos sociais de qualidade e um clima organizacional propício ao desenvolvimento de laços sociais positivos.

Outro tipo de intervenção que faz muito sentido promover num mundo em que vivemos cada vez mais ao nosso próprio ritmo e recorrendo ao digital, é aprender a ressincronizar. A sincronização de movimentos é uma força poderosa para manter os grupos humanos unidos, como McNeil demonstrou no seu livro seminal “Keeping together in time”. Fazer os mesmos movimentos ao mesmo tempo que os outros é uma técnica usada desde as primeiras sociedades para criar comunidade. Tem sido usado nos exércitos (marchar ao mesmo tempo), nas religiões (cantar, dançar ao mesmo tempo), na política ou no desporto. A investigação mostra que sincronizar movimentos e atividades aumenta a ligação de grupo, a cooperação, a confiança de grupo e a empatia. É preciso por isso criar e valorizar nas empresas atividades onde a sincronização seja possível (por exemplo, almoços conjuntos, sessões de karaoke, atividades desportivas), e cuidar do processo de socialização organizacional de modo a promover ligações sociais significativas.

Espero ter-vos convencido da urgência de contrariarmos o avanço da solidão e promovermos laços sociais positivos nas nossas empresas. Se o fizermos, teremos empresas mais produtivas e também pessoas mais felizes.

Artigo escrito por Maria Luísa Pedroso de Lima e publicado originalmente na Revista InforBanca.

 

É professora catedrática no Departamento de Psicologia do ISCTE, investigadora no Centro de Investigação e de Intervenção Social e cocoordenadora do Laboratório Associado SocioDigital Lab for Public Policy. É professora honorária da Universidade de Bath, membro da Academia das Ciências de Lisboa e recebeu recentemente o prémio carreira da Associação Portuguesa de Psicologia. Doutorada em Psicologia Social, coordenou vários projetos de investigação e é autora de numerosas publicações científicas, tendo-se especializado na aplicação da Psicologia Social a questões da saúde e do ambiente. É autora do ensaio “Nós e os outros: o poder dos laços sociais”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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