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Da ficção à fusão: Quantum AI, o trunfo (ou ameaça) do mundo financeiro

Por Gonçalo Freire, diretor da Fintech Solutions e Luso-Ambassador da Swiss Fintech Association (SFTA)

17 Jul 2025 - 17:15

9 min leitura

A computação quântica tem sido descrita há mais de uma década como a próxima grande revolução tecnológica, algo comparável ao impacto que a eletricidade ou a internet tiveram nas suas épocas. Embora ainda estejamos numa fase inicial, conhecida como era NISQ (Noisy Intermediate-Scale Quantum), o ritmo dos avanços é tal que muitos especialistas já não se questionam se a computação quântica se tornará mainstream.

Ironicamente, foi a inteligência artificial (não o quantum) que explodiu primeiro e tomou conta das manchetes. Grandes modelos de linguagem (LLMs), sistemas generativos e soluções de ‘machine learning’ criaram, em poucos anos, um salto tecnológico que já se reflete em quase todos os setores económicos. E não foram poucos os analistas que, embalados por este boom da Inteligência Artificial (IA), começaram a questionar se o quantum não teria sido afinal uma propaganda prematura, fadada a ficar confinado aos laboratórios.

Mas a realidade pode ser mais complexa e, curiosamente, ainda mais promissora. Enquanto a computação quântica evolui em paralelo, talvez longe dos holofotes mediáticos que hoje se voltam para o ChatGPT, está a preparar-se algo ainda maior. A união de forças com a inteligência artificial. Esta convergência, chamada por muitos de Quantum AI, poderá oferecer saltos de desempenho tão extraordinários que tornariam ridículas até as capacidades dos supercomputadores clássicos que hoje treinam os nossos modelos mais avançados.

Para perceber porque isto é tão relevante para o setor financeiro, é preciso recuar ao que distingue o quantum. Um computador clássico opera com bits, estados binários que podem ser 0 ou 1. Já os computadores quânticos utilizam ‘qubits’, que conseguem estar em múltiplos estados em simultâneo, numa superposição comparável a uma moeda a girar no ar sem ainda ter mostrado cara ou coroa. Isto permite explorar uma enormidade de combinações ao mesmo tempo e resolve problemas de otimização ou simulação de forma quase “mágica”. Desafios que aparecem todos os dias nas operações dos serviços financeiros, seja para estimar cenários de stress, construir carteiras eficientes ou modelar o risco de produtos complexos. A diferença é tão grande que costuma dizer-se que um problema que demoraria milhares de anos num supercomputador clássico poderá ser resolvido em minutos ou horas por um computador quântico suficientemente avançado.

Mas se isso é tão poderoso, porque não substituiu já os ‘data centers’ das instituições financeiras? A resposta está na própria fragilidade da tecnologia. ‘Qubits’ são extremamente sensíveis ao ambiente, precisando de temperaturas perto do zero absoluto para manterem a coerência, e as taxas de erro ainda são consideráveis. Por isso, mesmo com projetos ambiciosos, a IBM promete 2000 qubits corrigidos até 2033. Atualmente, são as abordagens híbridas que dominam a cena, ou seja, os computadores clássicos processam as tarefas convencionais e os módulos quânticos são reservados para problemas muito específicos e intensivos.

Curiosamente, é aqui que entra o casamento com a inteligência artificial. Treinar modelos massivos exige volumes astronómicos de cálculos matriciais, uma área em que algoritmos quânticos começam a demonstrar vantagens claras. A fusão das duas tecnologias não é apenas natural, é estratégica. Imagine sistemas de AI treinados em estruturas quânticas, capazes de modelar mercados financeiros inteiros em profundidade, ajustando-se em tempo real a dados globais. Isso não só promete rentabilidades superiores, como redefine completamente o que é possível prever e controlar.

Na Suíça, centros como o Quantum Basel, o ETH Zurich e o EPFL lideram o esforço para transformar essa fusão em realidade, combinando investigação em quantum hardware, algoritmos quânticos e aplicações AI.

Internacionalmente, empresas como a Google, IBM e ‘startups’ especializadas já publicam estudos a demonstrar a aceleração da aprendizagem automática via quantum. Um prenúncio do que poderá ser a nova corrida tecnológica dos próximos anos.

Enquanto isso, o setor financeiro já se prepara para capitalizar o potencial desta tecnologia. Não é difícil perceber o porquê. A banca vive de dados, correlações e previsões. Problemas como a gestão de risco, a otimização de carteiras ou a análise de mercado envolvem interdependências complexas entre centenas ou milhares de variáveis, e são tipicamente resolvidos hoje com aproximações questionáveis. Um algoritmo quântico, pelo contrário, pode explorar simultaneamente um número colossal de cenários, oferecendo soluções muito mais precisas para estes problemas.  Isso tem implicações diretas na rentabilidade, na estabilidade do sistema financeiro e até na capacidade de antecipar crises.

Alguns bancos já estão a testar estas abordagens de forma concreta. O HSBC, por exemplo, conduziu recentemente um projeto-piloto para aplicar criptografia resistente a quantum em ouro tokenizado, demonstrando como as instituições financeiras mais atentas estão a antecipar o problema. A tokenização de ativos em blockchain ou DLT promete ganhos enormes de eficiência e inovação. Contratos mais rápidos, liquidações instantâneas, auditorias automatizadas, mas com um ponto fraco, a própria encriptação que sustenta estas redes pode tornar-se obsoleta perante algoritmos quânticos avançados. Os primeiros resultados dos testes do HSBC indicam, inclusive, que ativos digitais hoje podem ser vulneráveis a ataques, reforçando a urgência de evoluir os sistemas antes que se tornem alvo fácil. O aspeto positivo é que não é preciso reconstruir tudo de raiz. É possível proteger a infraestrutura DLT existente adaptando algoritmos de encriptação e gerindo ciclos de substituição de chaves privadas, garantindo que estas redes continuem interoperáveis e preparadas para resistir aos ataques quânticos do futuro. Na Suíça, a ID Quantique lidera projetos piloto que unem bancos, seguradoras e governos para preparar o ecossistema financeiro. Também organismos internacionais como o Banco Internacional de Pagamentos acompanham de perto o tema, conscientes de que falhas na preparação poderiam ter impactos globais.

Enquanto estas iniciativas florescem, há um risco que não desaparece. O quantum, mesmo na sua forma “pura”, representa uma ameaça sistémica à segurança digital. A base da confiança nos serviços financeiros digitais reside na criptografia. O algoritmo de Shor, quando implementado num computador quântico suficientemente estável, consegue processar grandes números e quebrar sistemas RSA e ECC, que hoje garantem as autenticações, assinaturas digitais e soluções e-banking. Também o algoritmo de Grover acelera pesquisas de forma quadrática, o que pode comprometer a criptografia de chave simétrica. E se a inteligência artificial pode ajudar na defesa, também pode ser usada para arquitetar ataques sofisticados, inclusive explorando falhas quânticas.

Não é por acaso que o resultado do projeto conduzido pelo HSBC, foi tão elucidativo quanto preocupante, ao confirmar que ativos digitais atuais podem ser comprometidos, o que obriga bancos e plataformas a evoluírem urgentemente a forma como gerem chaves privadas e algoritmos de encriptação, a.k.a. “quantum-safe cryptography”.

A boa notícia é que tecnologias como PQC (Post-Quantum Cryptography) já começam a ser normalizadas. O National Institute of Standards and Technology (NIST) publicou em 2024 os primeiros standards oficiais e soluções como QKD (Quantum Key Distribution) que oferecem defesas baseadas nos próprios princípios quânticos, detetando imediatamente tentativas de espionagem. Isto, aliado às recomendações de organizações como o G7 , o Fórum Económico Mundial e a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA), sublinha a importância de nos prepararmos para a era quântica.

Mesmo assim, a transição não será simples. Vai exigir “crypto-agility”, ou seja, arquiteturas preparadas para migrar gradualmente, testando interoperabilidade entre protocolos antigos e novos. Ninguém quer acordar num cenário onde o “Y2Q”, o momento em que computadores quânticos mainstream quebram a criptografia atual, seja uma realidade e apanhem a banca desprevenida, com ativos, contratos e dados críticos expostos.

Curiosamente, o futuro do quantum nos serviços financeiros poderá depender menos de um “salto” e mais de uma confluência estratégica. Num mundo onde a IA evolui a um ritmo impressionante, usar computação quântica isolada poderia revelar-se insuficiente, quase um desperdício.

Mas integrá-la como acelerador para aprendizagem automática e gestão de grandes dados em finanças pode ser a alavancagem que muitos desejam.

Ao contrário do que alguns entusiastas exclusivos da IA propagam, de que o quantum já estaria “ultrapassado antes de nascer”, o mais provável é assistirmos a um casamento inevitável. Inteligência artificial e computação quântica, cada uma com as suas forças, deverão unir-se para resolver problemas que nenhuma tecnologia isoladamente conseguiria resolver. Para a banca, isso significa estar hoje a preparar sistemas, dados e equipas para um cenário em que IA e quantum não competem, mas complementam-se.

A próxima década será, portanto, um teste silencioso à visão estratégica dos líderes financeiros. Quem apostar no curto prazo apenas em IA pode descobrir que lhe falta capacidade para o que está por vir. Quem ignorar a necessidade de migrar para criptografia pós-quântica corre o risco de ser a manchete do próximo grande ataque. Mas quem alinhar a inteligência artificial com o progresso quântico, apostando em arquiteturas híbridas seguras e flexíveis, poderá ditar as regras do jogo numa era onde os ‘qubits’ e algoritmos generativos não estarão só nos laboratórios, estarão a decidir o futuro do dinheiro.

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