Subscrever Newsletter - Mantenha-se atualizado sobre tudo o que se passa no sistema financeiro.

Subscrever Newsletter

Mantenha-se atualizado sobre tudo o que se passa no sistema financeiro.

Submeter

Ao subscrever aceito a Política de Privacidade

5 min leitura

Trustlessness, Descentralização e Permissionless: repensar a confiança financeira

Por Gonçalo Freire, diretor de Open Innovation da Swiss Fintech Association (SFTA)

18 Set 2025 - 18:15

5 min leitura

Autor

PT50

Editor

Partilhar

Imagine um comerciante do século XVI a entregar as suas poupanças a um banco florentino para financiar uma expedição, acreditando que meses depois poderia resgatar esse valor do outro lado do mundo.

O que tornava isto possível não era apenas o papel assinado ou as moedas, mas sim a confiança depositada na instituição que o emitia.

Ao longo dos séculos, bancos, seguradoras e outras entidades assumiram este papel, tornando-se os guardiões da ordem económica, onde, entre outras, definindo taxas de juro, comissões, prémios de risco e regulação. O seu objetivo era fornecer previsibilidade num mundo incerto, calcular riscos e manter a economia a funcionar sem falhas. Este sistema funcionou suficientemente bem para aceitarmos que confiar nas instituições era essencial para garantir estabilidade.

Mas hoje começam a surgir novos mecanismos que desafiam esta lógica.

E se já não precisássemos de depender de pessoas ou organizações para confiar? E se as decisões sobre preços, transferências ou seguros fossem tomadas por sistemas transparentes e automáticos em vez de conselhos de administração ou reguladores?

É aqui que entram três ideias importantes: trustlessness, descentralização e permissionless.

No contexto das tecnologias descentralizadas, trustless não significa ausência de confiança, mas sim ausência da necessidade de confiar em intermediários humanos.

O código, a criptografia e a matemática substituem as garantias institucionais.

Até agora, tínhamos de confiar que o banco processaria corretamente uma transferência. Num sistema descentralizado, as ações baseiam-se em regras imutáveis, garantindo previsibilidade não porque alguém assegura, mas porque o protocolo o exige. A confiança não desaparece, muda de lugar, das pessoas para a lógica do sistema.

Esta mudança ganha força com a descentralização, que retira poder às instituições centrais e o distribui por uma rede de participantes. Em vez de um banco decidir sozinho o preço do crédito, um protocolo pode ajustar taxas automaticamente em tempo real, de acordo com a oferta e a procura. Para a maioria das pessoas, isto pode soar técnico, mas é semelhante a um mercado de bairro onde todos veem e confirmam os preços, garantindo que ninguém os consegue esconder. A transparência total substitui a arbitrariedade.

A transformação completa-se com o princípio do permissionless.

No sistema financeiro tradicional, tudo depende de aprovação. Para abrir uma conta, é preciso cumprir determinados requisitos; para lançar um produto, é necessário obter uma licença; para operar um banco, é obrigatória uma carta regulatória.

Nas redes abertas, a lógica inverte-se. Primeiro participa-se, depois demonstra-se o valor. Não há porteiros a decidir quem pode entrar. Qualquer pessoa pode criar e contribuir. Embora exista o risco de abuso, a abertura do acesso representa uma oportunidade sem precedentes.

Tudo isto coloca um dilema às instituições. Que papel resta a bancos e seguradoras se a sua principal razão de existir sempre foi serem entidades de confiança?

Os críticos afirmam que a descentralização também tem governantes invisíveis. Alguém escreve o código, propõe atualizações e organiza comunidades. É verdade, mas a diferença está na visibilidade e na responsabilização. Em vez de depender de um pequeno grupo reunido à porta fechada, a confiança é distribuída, sujeita a validação pública e, muitas vezes, a voto coletivo. A confiança não desaparece, apenas se desloca.

Os exemplos reais tornam esta ideia mais clara. Hoje, enviar dinheiro internacionalmente implica comissões elevadas e longos prazos de espera.

Com blockchain, a transferência realiza-se em minutos e a custos mínimos. No setor dos seguros, já se testam modelos peer2peer em que grupos partilham riscos com regras gravadas em contratos inteligentes, sem espaço para cláusulas escondidas ou exclusões arbitrárias.

No crédito, enquanto os bancos avaliam históricos de crédito, as plataformas descentralizadas oferecem liquidez imediata com base em colateral digital. Sem intermediários a ditar critérios.

Estes são laboratórios vivos de alternativas que não substituem o sistema atual de um dia para o outro, mas que demonstram que existem outras formas possíveis.

Continuaremos a depender apenas das instituições tradicionais, permitindo que algumas organizações centralizem o poder e a tomada de decisão? Ou teremos a coragem de experimentar sistemas que distribuem a confiança e estabelecem regras em código aberto?

O mais provável é que o futuro seja híbrido. Bancos e seguradoras poderão adotar tecnologias trustless para reforçar a transparência e a eficiência, mantendo ao mesmo tempo a dimensão humana de proximidade e estabilidade que nenhum algoritmo consegue replicar.

A questão mantém-se. Estaremos preparados para confiar menos em pessoas e mais em sistemas descentralizados?

Talvez o código nunca seja perfeito. Talvez nunca substitua totalmente a mediação humana. Mas se se revelar suficientemente fiável, poderá permitir que a próxima geração acredite não apenas no que uma instituição afirma, mas no que uma rede inteira valida.

A confiança não desaparece. Apenas muda de lugar. E talvez esteja na hora de decidirmos se queremos que continue atrás de portas fechadas ou se preferimos vê-la em redes abertas.

Subscrever Newsletter

Mantenha-se atualizado sobre tudo o que se passa no sistema financeiro.

Ao subscrever aceito a Política de Privacidade