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“A Europa tem uma cultura de poupança, não de investimento”
O CFA Institute é uma das mais importantes instituições mundiais na formação de profissionais para o setor financeiro. O Jornal PT50 falou com a sua presidente, Margaret Franklin, que elogiou o trabalho da Comissária Maria Luís Albuquerque
22 Out 2025 - 07:15
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Foto: Jornal PT50/Rigby
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Foto: Jornal PT50/Rigby
Os desafios da Inteligência Artificial (IA) na formação de profissionais do setor financeiro, o aparecimento de novas apostas de investimento, como as finanças verdes, e a corrida pela liderança na inovação nos mercados de investimento foram alguns dos temas abordados pelo Jornal PT50 numa conversa com Margaret Franklin, a primeira mulher a presidir ao CFA Institute — organização criada em 1947, nos Estados Unidos, e que, nos últimos 75 anos, tem definido os padrões que regem os melhores analistas na gestão de investimentos.
De que forma a IA está a influenciar a formação e o desenvolvimento dos profissionais que pretendem fazer carreira no setor financeiro? É uma ferramenta de ajuda ou uma ameaça?
Margaret Franklin — Pode ser as duas coisas. No início da IA, o que observámos foi que a automação das atividades rotineiras libertava tempo aos profissionais para se concentrarem em tarefas de maior valor acrescentado. Hoje temos a capacidade de gerir grandes volumes de informação na análise de carteiras de investimento, verificar a solidez das empresas e integrar tudo isso na identificação de oportunidades de investimento — avaliando como gerir o risco e como obter rentabilidade.
Temos agora mais informação e melhor informação. Atualmente conseguimos esclarecer dúvidas que antes tínhamos, mas que, por falta de tempo, nunca conseguíamos investigar. Considero, por isso, que a IA contribui para o aumento e diversificação das carteiras de investimento e para uma maior capacidade de decisão.
A IA permite-nos gerir o risco e a rentabilidade de forma muito diferente. Mas será sempre necessária a visão humana — os reguladores nunca permitirão que os algoritmos assumam o controlo da supervisão. Serão sempre necessários especialistas humanos capazes de fazer as perguntas certas e analisar as respostas. A IA não substitui os humanos — amplifica as nossas capacidades e permite-nos fazer coisas diferentes.
Recentemente, Pedro Machado, membro do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE), afirmou que “não podemos deixar que seja a IA a fiscalizar a IA”. Concorda com esta visão?
M.F. – Concordo absolutamente. O julgamento humano é fundamental. A IA consegue processar enormes quantidades de dados, mas não consegue fazer juízos de valor.
O que temos agora é a possibilidade de processar mais e melhor informação, de forma mais rápida — mas, no fim do dia, será sempre um humano a avaliar como correu todo esse processo.
Nos últimos dez anos, o setor financeiro tem sofrido mudanças significativas. O perfil e as competências dos profissionais têm acompanhado essa evolução?
M.F. –Nas funções de topo, sim. Mas não de forma generalizada. Se observarmos onde o sistema financeiro está a recrutar talento, vemos cada vez mais candidatos provenientes das áreas STEM — ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Ainda há muitas pessoas das áreas de gestão e finanças, mas nota-se um conjunto de candidatos muito mais diversificado a entrar na indústria financeira.
As finanças podem ser ensinadas — o investimento pode ser ensinado — e isso permite aos empregadores recrutar pessoas com origens muito mais amplas e variadas.
Podem existir talentos nas áreas da política, filosofia ou economia, que depois aprendem finanças. Isto cria um sistema financeiro mais robusto.
A composição da indústria financeira está a mudar. É provável que haja menos analistas de investimento, analistas de pesquisa, gestores de risco e gestores de carteiras, simplesmente porque a tecnologia automatizará muitas dessas funções.
Mas as pessoas que trabalham na linha da frente, em contacto direto com os clientes, terão de desempenhar funções diferentes e possuir um nível de conhecimento técnico e de competências muito superior ao exigido no passado.
Penso muito nessas pessoas que estão na linha da frente, a lidar com os clientes. Terão de ser mais qualificadas — já não se trata apenas de manter relações pessoais, mas de ajudar a encontrar e gerir novas soluções. Essas pessoas têm receio da mudança.
Até as estratégias de mercados privados estão a chegar ao investidor individual. Estas são decisões complexas que exigem sempre interação humana. Isso significa que o profissional que fala com um cliente, seja individual ou institucional, deve ser muito mais qualificado.

Margaret Franklin, Presidente do CFA. Foto: Jornal PT50/Rigby
Outra novidade no sistema financeiro são os chamados “investimentos verdes”. Como vê a evolução destes ativos na atual conjuntura económica?
M.F. –Nos últimos cinco ou seis anos, tenho observado que os investimentos verdes ganharam dimensão, podem ser alavancados e são atrativos para o investimento. É uma diferença significativa. Antes, tratava-se de pequenos investimentos, sem escala, o que os tornava inviáveis para grandes volumes de capital. Hoje isso já não é um problema.
O clima não conhece fronteiras. Nenhuma região do mundo está imune às alterações climáticas. Será necessária tecnologia — e serão necessários investimentos para a desenvolver.
Quer estejamos nos EUA, na Europa ou na Ásia, as infraestruturas estão a mudar. Essa nova infraestrutura está a ser construída com foco no futuro, tendo em conta a resiliência, o clima e o planeamento a longo prazo. São investimentos intensivos, que ocorrerão nos próximos 20, 30 ou 40 anos — investimentos de longo prazo que já começaram.
Não podem ser apenas financiados pelos governos — são necessárias parcerias com o setor privado. É um desafio enorme.
Vemos os governos a tentar canalizar as poupanças individuais para esta nova realidade.
A Europa, em particular, tem uma forte cultura de poupança, com muito capital estacionado no setor bancário em produtos de rentabilidade fixa. Será difícil mobilizar esse capital privado para financiar novos projetos verdes. As pessoas precisam de ter confiança de que esses investimentos estão desenhados para gerar rentabilidade sobre as suas poupanças.
A Europa tem uma cultura de poupança, não uma cultura de investimento. É essencial apostar na literacia financeira dos cidadãos. As soluções que apresentamos aos clientes, enquanto profissionais de investimento, têm de ser explicadas de forma clara — para que estes, por sua vez, consigam explicar aos aforradores o que podem esperar de cada produto financeiro. Para onde vão as suas poupanças, qual é o risco e qual será a rentabilidade que vão retirar das suas aplicações. É por isso que são necessários profissionais cada vez mais qualificados.
O segmento dos investimentos verdes vai certamente crescer. Já se veem projetos importantes e grandes oportunidades. Existe muito capital institucional disponível, mas é preciso que o retorno compense o risco assumido. É um cenário de desafios interessantes. O papel do CFA Institute é capacitar os investidores com os conhecimentos necessários sobre mercados privados, fatores climáticos e tecnologia, para que possam avaliar as oportunidades da forma mais justa e rigorosa possível, preparando as carteiras para o sucesso a longo prazo.
Outro tema atual é a inovação financeira. Os Estados Unidos parecem ter tomado a dianteira neste processo e a Europa está a ficar para trás…
M.F. – É importante ter em conta que os Estados Unidos são um único país, enquanto a Europa é composta por 27. Nas conversas em que participo, noto uma vontade clara de tornar a Europa mais amiga do investimento.
Neste campo, a Comissária dos Serviços Financeiros, Maria Luís Albuquerque, tem feito um trabalho extraordinário. É evidente que isto não acontece de um dia para o outro, mas já se veem os primeiros passos — tanto no mercado interno (na passagem da poupança e da dívida para o investimento) como na atração de capital externo para a Europa.
Ainda no campo da inovação financeira, temos as stablecoins, bitcoins e moedas digitais…
M.F. – Os ativos digitais são um tema muito complexo. Temos as blockchains, que reduzem fricções e custos no sistema — e a maioria concorda que, com o tempo, se tornarão uma parte fundamental da infraestrutura financeira e de investimento.
Depois, temos as criptomoedas, que são ativos que exigem uma avaliação fundamental: em que se baseiam? O que lhes confere valor? A que estão ligadas? Existem muitas opiniões sobre este assunto. Há ainda a tokenização, que consiste no fracionamento de ativos, permitindo a sua distribuição por diferentes públicos.
Cada uma destas inovações pode trazer benefícios significativos, mas nada é gratuito, é essencial compreender os riscos e as implicações associadas a cada uma delas. A tokenização, por exemplo, representa uma excelente oportunidade, mas levanta questões sobre o lastro e as características intrínsecas dos ativos subjacentes.
Perante estas questões, é novamente necessário dotar os profissionais do setor de investimento das ferramentas adequadas para refletirem verdadeiramente tanto sobre as oportunidades que estes ativos oferecem como sobre os riscos que implicam. E é aí que a investigação, a defesa de princípios e as normas do CFA Institute se tornam fundamentais.
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