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Os desafios Europeus e Portugal

Por Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças, professor associado com agregação no ISEG, Ph.D in Finance – Tilburg University

10 Out 2025 - 18:33

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Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças | Foto: Governo de Portugal

Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças | Foto: Governo de Portugal

A perda de competitividade e produtividade da Europa desde 2008 levou a que o crescimento económico fosse anémico e divergente dos EUA. Os Relatórios Draghi e Letta mostram que a Europa enfrenta diversos “estrangulamentos” na sua baixa produtividade. Este artigo analisa vários desses “estrangulamentos”. O “competitiveness compass” que a Comissão Europeia apresentou em março é um instrumento com um conjunto de reformas estruturais para libertar o potencial de criação de riqueza e de crescimento no espaço Europeu.

A Grande Crise Financeira de 2008 (GFC 2008) deixou marcas profundas nas economias avançadas (a que se somou posteriormente a crise das dívidas soberanas na Europa; a Política Monetária acomodatícia e expansionista dos Bancos Centrais na década passada; a pandemia Covid-19; os efeitos da inflação e os choques geopolíticos, nomeadamente a guerra na Ucrânia), mas sobretudo marcou um período de relativa estagnação na Europa, quer em termos de produtividade, quer em crescimento económico, bem como de divergência na performance económica face aos EUA.

Os gráficos abaixo mostram essa divergência, quer no crescimento real do PIB (se 2009 = 100 temos os EUA com 135 e a UE com 123), quer no PIB per capita (se 2009 = 100, temos os EUA com 124 e a UE com 114), quer no crescimento da produtividade. A teoria económica tem mostrado uma causalidade clara entre maior produtividade e maiores salários. Uma baixa produtividade significa uma baixa competitividade, que por sua vez se traduz em baixo crescimento real do PIB, o que implica baixos níveis de crescimento dos salários (e salários mais baixos).

Os Relatórios Draghi e Letta mostram claramente que se a Europa tem várias forças (o seu mercado único, níveis de educação e formação, um sistema social e uma maior utilização de energias renováveis), mas têm bastantes fraquezas (“estrangulamentos”), além da baixa produtividade: Um inverno demográfico, com baixa natalidade, redução da população ativa e falta de mão-de-obra; elevados custos de contexto e regulação; baixo nível de financiamento privado e de empreendedorismo; baixos níveis de I&D e uma posição secundária na digitalização, IA e semicondutores; elevados preços (e com elevada volatilidade) de energia, por não ser produtor de energia fóssil; ameaças concorrenciais a indústrias tradicionais, como por exemplo, a automóvel; necessidade de aumentar os gastos com Defesa, mas com elevados défices orçamentais e de dívida pública; dependência de energia, matérias-primas e alimentos.

O inverno demográfico que a Europa vive implica perda populacional e envelhecimento, com o consequente, por um lado, aumento de despesa com pensões e saúde, mas também menos população ativa. A imigração tem sido a forma da Europa mitigar o problema de falta de trabalhadores, mas os impactos sociais e políticos são elevadíssimos.

A Europa tem também elevados custos de contexto e regulação. Ao longo de várias décadas as instâncias Europeias foram criando regras e regimes regulatórios que criaram barreiras à criação de negócios, a uma maior concorrência e inovação.

O baixo nível de financiamento privado e de empreendedorismo implica que o crédito privado na Europa assenta sobretudo nos bancos (o mercado de capitais está menos desenvolvido), com níveis de investimento privado e público baixos (mas, ainda assim, os bancos Europeus têm níveis de performance e rentabilidade inferior aos dos EUA). Existe também uma elevada heterogeneidade entre os países, bem como um baixo nível de “venture capital” quando comparado com os EUA. Ou seja, a economia Europeia é mais adversa ao risco e com menores níveis tecnológicos. Enquanto os EUA têm quase mil Unicórnios e a China mais de 200, a Alemanha e a França têm cada uma perto de 30.

A Europa tem também baixos níveis de I&D e uma posição secundária na digitalização, IA e semicondutores. Fruto de uma economia menos virada para o risco e o empreendedorismo, as grandes gigantes tecnológicas são sobretudo americanas (e na China, um mercado fechado, são nacionais). Na IA a Europa também só agora começa a querer competir com os grandes players americanos. Já nos semicondutores, a indústria divide-se em 3 blocos: os EUA (com a Nvidia e a Intel) dominam a conceção dos “chips”, a Europa (com a ASML) domina a construção das máquinas que produzem os “chips” e Taiwan (com a TSML) domina a produção dos “chips” (embora com EUA e China a procurarem reduzir a dependência de Taiwan).

Por último, a Defesa europeia foi abalada com a guerra na Ucrânia e a nova política da Administração Trump. É necessário reforçar a capacidade de Defesa europeia. Mas tem de ser feito de forma coordenada e com cada país a ter funções especificas (que potenciem a sua posição geográfica e a sua reindustrialização). Mas tudo isso tem de ser realizado com responsabilidade orçamental. A maioria dos países europeus tem hoje níveis elevados de dívida pública (já vários, e de grande dimensão, acima dos 100% PIB) e uma situação orçamental de défices, também elevados (vários países acima dos 3% PIB).

A Europa tem assim de aumentar os seus níveis de produtividade, com uma aposta clara na tecnologia, educação e financiamento. O “competitiveness compass” que a Comissão Europeia apresentou em março é um instrumento com um conjunto de reformas estruturais para libertar o potencial de criação de riqueza e de crescimento no espaço Europeu.

Para isso a Europa tem de reduzir os níveis de regulação, a burocracia e o cost of doing business, bem como reforçar o Mercado Único, sobretudo nas áreas da energia, telecomunicações, banca, seguros e serviços em geral. A Europa tem também de mobilizar a sua capacidade de financiamento para investir mais em I&D e nas tecnologias atrás referidas, aumentando também o número de patentes e de empresas tecnológicas, bem como de aumentar a dimensão das empresas, sobretudo tecnológicas e industriais, para aproveitar os ganhos de escala e o impacto da tecnologia. A Europa tem de ser capaz de avançar com o Capital Markets Union e a Banking Union. É necessário continuar a investir cada vez mais na educação e formação, bem como na transição de competências de quem está desempregado, em subemprego ou em setores de menor valor acrescentado, assim como reduzir substancialmente o desemprego jovem. É também fundamental melhorar a qualidade da despesa pública e ser capaz de fazer uma consolidação orçamental, que reduza a dívida pública e torne as Finanças Públicas dos Estados Membros sustentáveis no longo prazo, dando confiança aos mercados financeiros.

Portugal tem também um caminho a percorrer para aumentar os seus níveis de produtividade, que são baixos, gerando com isso um baixo nível de PIB potencial, e como tal, níveis de crescimento aquém dos países da Coesão, que são os nossos concorrentes diretos e que estão no nosso nível de desenvolvimento (e que também são recebedores líquidos de fundos europeus).

Aos “estrangulamentos” identificados para a Europa (demografia, os custos de contexto, burocracia e regulação, bem como o financiamento, a tecnologia e a dívida pública), e que também são uma realidade nacional, juntaríamos ainda: Uma Justiça administrativa e fiscal ineficaz e demasiado lenta; um sistema fiscal complexo, com elevados custos de cumprimento, com tempos de contenciosos tributário muito demorados, com muita instabilidade e com taxas efetivas marginais de IRS e IRC muito altas, sobretudo se comparadas com os países da Coesão, que são os nossos concorrentes diretos; Um baixo nível de R&D e ainda uma baixa ligação entre as universidades e a investigação e as empresas e a inovação e criação de valor; empresas com baixo nível de dimensão, com baixa capitalização e que ainda são pouco internacionalizáveis; a rigidez e dicotomia do mercado laboral; a ineficiência dos serviços públicos e a baixa qualidade da despesa pública.

Quer a nível europeu, quer a nível nacional, são necessárias reformas estruturais que mitiguem estes “estrangulamentos” e permitam libertar todo o potencial económico e de criação de riqueza a nível europeu. Sem isso, a Europa continuará a marcar passo, a divergir dos EUA e a tornar-se cada vez menos relevante, cada vez mais dependente e com menores níveis de vida para os seus cidadãos.

Temos de recuperar o elevador social e ser capaz de construir uma sociedade mais próspera, em que existem recursos para manter o Estado social e o apoio aos mais necessitados. A Esperança tem de voltar, cumprindo o “mandamento não escrito”: “Darás aos teus filhos mais e melhor do que o que recebeste dos teus pais”.

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