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“Uma boa parte dos benefícios que a Lone Star obteve com a compra do Novo Banco podia ter revertido para o Estado”

O Presidente do Instituto Português de Corporate Governance, João Moreira Rato, deu uma grande entrevista ao Jornal PT50 onde aborda a sua passagem pelo BES e a importância das regras de governance nas empresas públicas e privadas.

26 Nov 2025 - 07:15

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João Moreira Rato, Presidente do IPCG

João Moreira Rato, Presidente do IPCG

O Jornal PT50 entrevistou o presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG). João Moreira Rato falou sobre este seu novo desafio e sobre a importância das regras de governance, tanto nas empresas públicas, como a Caixa Geral de Depósitos ou a Águas de Portugal, como nas organizações privadas. Comentou também de que forma viveu a Resolução do Banco Espírito Santo (BES), integrando a primeira administração convidada pelo Estado para assumir a gestão do banco, e explicou como, naquele período, a pressão política impediu que grande parte dos 6,4 mil milhões de euros da venda do antigo BES aos franceses do BPCE revertesse para o Estado.

Jornal PT50 – Doutor João Moreira Rato, muito obrigado, em nome do jornal PT50, pela disponibilidade para esta conversa conosco. Como presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), queria começar por lhe perguntar quais são as atividades do Instituto, o que faz e para quem trabalha?

João Moreira Rato – Muito obrigado, antes de mais, pelo convite. A missão do IPCG é difundir as boas práticas de governance no tecido económico português. Trata-se de um assunto muito importante, do meu ponto de vista, porque vimos de períodos de pouca governance, em que houve muitas consequências negativas e vários escândalos que tiveram origem em falhas de governance – esse é o lado negativo.

Pelo lado positivo, consideramos que uma boa governance ajuda as empresas a crescer, a lidar melhor com os seus problemas, a serem mais resilientes, a internacionalizarem-se e a captar mais investidores. Ou seja, ajuda as empresas portuguesas a desenvolverem-se, o que é muito importante para a nossa economia.

Por outro lado, também é fundamental no setor empresarial do Estado, onde temos vindo a trabalhar, e onde temos visto, em casos como o da TAP, que é essencial que a governance esteja bem integrada nos processos de decisão, para preservar os recursos públicos.

No IPCG, temos como base um Código de Governo das Sociedades desenvolvido, em conjunto, com a Associação de Emitentes e com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Este código permite um sistema de autorregulação, em que as empresas são monitorizadas em relação às recomendações e dispõem de um mecanismo de autoavaliação anual, o que constitui um exercício muito importante para a melhoria contínua das suas práticas de governance.

A privatização da TAP

PT50 – Falou das recomendações que o IPCG fez ao setor empresarial do Estado e referiu a TAP. Aproveito para colocar a questão: estamos em pleno processo de privatização. Quão importante é que esse processo cumpra as boas práticas de governance e considera que isso está a acontecer?

J.M.R – Não tenho acompanhado em detalhe o processo de privatização da TAP. Posso, no entanto, falar da fase anterior. Quando falamos do setor empresarial do Estado, entendemos que é fundamental existir uma política acionista. Ou seja, o Estado tem de saber claramente porque está presente numa empresa – essa é a base para tudo o resto: um bom contrato de gestão, um bom plano estratégico e o funcionamento da empresa alinhado com os objetivos definidos pelo acionista.

Quando o Estado entende que esses objetivos podem ser melhor alcançados no setor privado, pode fazer sentido privatizar. Mas, para que isso aconteça, é preciso preparar a governance da empresa de forma a que esteja alinhada com os padrões exigidos no setor privado. Esse exercício prévio é essencial.

PT50 – No caso da TAP, o Estado concluiu que já não faz sentido manter 100% do capital e vai alienar parte da participação…

J.M.R. – Sim. Basicamente, o Estado terá entendido que os seus objetivos podem ser melhor alcançados por um privado – que poderá ser mais eficiente ou investir mais na companhia no futuro.

Uma Caixa Geral de Depósitos 100% pública

PT50 – Ainda falando em empresas do Estado, faz sentido, hoje em dia, o Estado ter um banco 100% público?

J.M.R. – Sim, pode fazer sentido. É importante que os objetivos desse banco público sejam claros e bem divulgados. A Caixa Geral de Depósitos tem feito um bom trabalho nesse alinhamento com o acionista. Há várias possibilidades. Uma delas é a existência de um banco público para assegurar financiamento à economia em cenários de crise internacional. Numa crise, bancos privados ou com investidores estrangeiros podem reduzir o crédito, e a CGD pode funcionar como reserva. Foi o que aconteceu no tempo da Troika.

Podem existir outros objetivos – como manter capilaridade territorial na rede de agências, garantindo que toda a população tem acesso a serviços financeiros. Todos estes objetivos devem ser definidos pelo Estado e, no caso de empresas públicas de maior dimensão, faz sentido que sejam sufragados no Parlamento e que depois exista prestação de contas.

É fundamental que os objetivos acionistas sejam claros e publicados, e que, a partir daí, a gestão prepare a estratégia para os concretizar.

PT50 – Se tivesse de dar um exemplo, no setor empresarial do Estado, de uma empresa que incorpora bem os princípios essenciais de governance, qual escolheria?

J.M.R. –Posso dar alguns exemplos de empresas que têm feito um esforço nesse sentido e que têm trabalhado connosco. Uma é a Caixa Geral de Depósitos – embora eu seja suspeito, por ser administrador não executivo. Outro exemplo muito positivo é o das Águas de Portugal. O seu chairman à época, José Furtado, trabalhou connosco para formar quadros superiores em governance e para repensar a organização do governo societário.

As Águas de Portugal são um bom exemplo de empresa pública com objetivos claros e multidimensionais – qualidade da distribuição de água, preço do serviço, segurança no abastecimento e redistribuição, entre outros.

Olhar para o setor empresarial autárquico

PT50 – As recomendações do IPCG para o setor empresarial do Estado tiveram em conta as centenas de entidades que o compõem? Há realidades muito distintas – como a Lusa, a RTP, a Companhia das Lezírias, os teatros nacionais… Como se adaptam os princípios de governance a universos tão diferentes?

J.M.R. – Começámos no setor público exatamente como começámos no privado: pelos casos maiores e mais complexos. Trabalhámos do mais difícil para o mais fácil. No privado, agora estamos a avançar para empresas de média dimensão.

No Estado, começámos num contexto de grande debate público sobre a TAP e outras questões de governance. Formámos um grupo de trabalho, analisámos as melhores práticas internacionais, ouvimos consultoras e procurámos construir um conjunto inicial de recomendações aplicáveis, pelo menos, às maiores empresas.

PT50 – Esse quadro geral, pensado para as grandes empresas, será agora estendido às mais pequenas dentro do setor empresarial do Estado?

J.M.R. – Sim. E podemos também olhar para o setor público local.

PT50 – Está a falar de empresas do universo autárquico. Vão avançar para aí?

J.M.R. – Temos essa intenção. Trabalhamos numa base pró-bono, por isso temos de gerir prioridades, mas esse é um dos temas que queremos explorar.

PT50 – E que outros temas estão em agenda?

J.M.R. – Neste momento, o IPCG tem três grandes focos: aprofundar o trabalho com empresas de média dimensão; analisar o setor empresarial do Estado a nível autárquico; e colaborar com a CMVM para reforçar a governance das gestoras de ativos, a pedido da própria CMVM. Outra área na qual queremos trabalhar mais é a da ética, onde temos desenvolvido trabalho com a Católica Business School do Porto.

A Resolução do BES

PT50 – Uma das necessidades para melhorar a governance das empresas surgiu com a divulgação de vários escândalos que afetaram o sistema financeiro. Um deles, senão o maior, foi o caso do Banco Espírito Santo, que demonstrou uma total ausência de regras de governance. O que correu mal no caso BES? Concorda com a aplicação do processo de Resolução?

J.M.R.- É uma pergunta muito complexa. Como sabe, vivi esse processo logo no início, dois meses entre o BES e o Novo Banco, tendo trabalhado três semanas no banco antes da resolução. Há uma questão que nos preocupa bastante na governance: a formalização das regras e a sua concretização prática. Daí a questão cultural ser cada vez mais importante. Temos um Código de Governo das Sociedades e uma lista de recomendações. As empresas cumprem cada vez mais essas recomendações…

PT50 – Quando diz “cumprir”, quer dizer que as colocam em prática?

J.M.R. – Sim, colocam-nas em prática de alguma forma. O IPCG tem uma lista de recomendações e verifica se estão a ser cumpridas. Se não estiverem, inicia-se um diálogo entre o IPCG e a empresa, que pode explicar que não cumpre determinada regra de uma forma mas cumpre de outra. Existem várias maneiras de percorrer o mesmo caminho, mas o IPCG acompanha apenas o que está publicado. É muito importante que os princípios da governance façam parte do dia-a-dia da empresa. Dou-lhe um exemplo: o Código de Ética. Uma empresa pode ter um Código de Ética muito bem escrito, com bons princípios, mas se os colaboradores não o conhecerem e não existir divulgação e formação à volta desse código…

Miguel Alexandre Ganhão, Editor Executivo do Jornal PT50 e João Moreira Rato, Presidente do IGCP na Biblioteca Nacional

PT50 – No caso do BES não havia nem Código, nem Ética, nem Governance…

J.M.R. – No caso do BES até existiam “case studies” sobre as regras de governance do banco, mas muitas dessas intenções nunca se materializavam. Por exemplo, o Conselho de Administração inclui administradores independentes, que estão lá para questionar a equipa executiva. Mas, se sempre que um independente fala o CEO o manda calar, a certa altura os administradores independentes deixam de se sentir à vontade para participar. Na prática, tudo está bem na teoria, mas a organização não funciona.

PT50 – Nesse caso não existe governance de forma alguma?

J.M.R. – É uma recomendação importante que existam administradores independentes não executivos no Conselho de Administração. É igualmente importante que exista um processo de nomeação claro, com definição das características exigidas a esses administradores. Mas se, depois, no Conselho de Administração se pratica bullying, as regras de governance não resolvem o problema. É preciso garantir que esses problemas são efetivamente resolvidos.

PT50 – Voltando ao escândalo do BES, acha que a Resolução seguiu boas práticas de governance ou podia ter sido conduzida de forma diferente?

J.M.R. – Eu acho que o processo de resolução, por si, tinha limitações para acolher as melhores práticas, porque era uma experiência. O próprio mecanismo de resolução foi uma experiência, e prova disso é que nunca mais foi aplicado da mesma forma. Isto mostra que o método teve limitações.

No pós-resolução, pensando na minha experiência, havia duas possibilidades naquela fase: ou se resolvia rapidamente, utilizando os bancos do sistema – mas o sistema vinha de um período de grande fragilidade e não estava tão robusto como agora…

PT50 – Ou seja, não comportava salvar o BES?

J.M.R. – Não tenho a certeza de que não comportasse, mas era difícil para os decisores tomar esse risco, tendo em conta o que se tinha acabado de viver. A outra possibilidade era dar mais tempo à gestão, permitindo recapitalizar e transformar o banco, como aconteceu no Reino Unido com o Lloyds. Só que a ideia, nessa altura, não era essa, mas sim uma venda rápida. E foi uma das razões pelas quais saímos, porque não concordávamos com o caminho.

Se olhar para o que aconteceu depois, perderam-se muitas oportunidades. Porque o que a Lone Star acabou por fazer foi isso mesmo: entrou numa posição de controlo e fez essa transformação.

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“Havia demasiada influência política, demasiado ruído”

PT50 – Uma transformação que podia ter sido feita pela gestão de então…

J.M.R. – Sim, e até podia ter sido com o apoio de uma Lone Star ou entidade semelhante enquanto acionista minoritário, trazendo capacidade técnica, questionando a gestão e garantindo foco nos objetivos estratégicos. Com tempo, talvez o Estado pudesse ter internalizado boa parte dos benefícios. Mas o problema é saber se o Estado teria capacidade e disciplina para seguir esse caminho. Havia demasiada influência política, demasiado ruído, demasiada pressão para uma venda rápida. Era difícil para uma equipa de gestão executar um plano de médio ou longo prazo com uma participação pública relevante. Portugal não é o Reino Unido – seria muito complicado.

PT50 – E como disse, os tempos eram outros…

J.M.R. –Era muito complicado. A nossa gestão, com o Vítor Bento e o José Honório, tinha um projeto que não passava pela venda rápida. Aliás, a venda rápida não aconteceu. A própria estratégia definida para o banco não foi concretizada, porque não conseguiram pô-la em prática.

PT50 -Mudando de tema, queria ouvir a sua opinião sobre o caminho que a Europa quer seguir com a criação de um mercado único de poupanças e investimento, considerado objetivo estratégico pela Comissão Europeia. O que é necessário fazer para o concretizar?

J.M.R. – Eu quase inverteria a pergunta: vai-se criar um mercado único de investimento para investir em quê? Se na Europa não há oportunidades tão atrativas como nos Estados Unidos, porque investir na Europa? Isso está relacionado com o próprio mercado único. A Europa precisa, primeiro, de criar oportunidades de investimento. Caso contrário, estaremos a gastar uma energia enorme para construir um mercado único que terá pouca eficácia. Podemos criar infraestruturas excelentes, mas sem o impacto esperado se não houver oportunidades.

Um exemplo: o diferencial de produtividade entre a Europa e os EUA, apontado no relatório Draghi, deve-se muito ao setor digital. As grandes empresas digitais e redes sociais nos EUA têm maior produtividade, entre outros motivos, porque têm escala e acesso a um mercado enorme. Já na Europa olhamos para a Inteligência Artificial e surgem propostas de criar autoridades regulatórias independentes em cada país. Se o mercado europeu continuar fragmentado, será impossível obter benefícios de escala e os investidores continuarão a preferir os EUA.

“A prioridade tem que ser fortalecer o mercado único”

Podemos criar um mercado comum para canalizar poupanças – e até PPRs europeus, o que seria positivo. Mas eu ou o Miguel, com bom senso, pegaríamos nesses fundos e investiríamos no mercado acionista americano, que tem oferecido retornos maiores. Portanto, quanto a mim, a prioridade europeia deveria ser o fortalecimento do mercado único: redução de barreiras internas, como faz agora o Canadá, permitindo que a escala crie boas oportunidades de investimento na Europa.

PT50 – Então estamos a começar pela cobertura da casa, em vez de fazer as fundações?

J.M.R. – Estamos a focar-nos no telhado. O telhado vai ser necessário, mas talvez não devêssemos concentrar-nos apenas nele, esquecendo o mercado único – que depende de todos os países europeus. E quando os interesses nacionais estão em causa, vê-se sempre um recuo imediato. Veja-se as tentativas do Unicrédito de comprar o Commerzbank…

PT50 -E em Espanha, o Sabadell…

J.M.R. – Um mercado financeiro integrado, com mercados acionistas eficientes e mercados de capital de risco, seria muito valioso. O mercado financeiro existe para canalizar poupança para onde há maior retorno e para financiar o crescimento.

PT50 – Está então de acordo com o artigo da Comissária Maria Luís Albuquerque no “The Banker”, onde dizia que os bancos têm de deixar de priorizar depósitos seguros e arriscar mais em investimento?

J.M.R. – No fundo, penso que ela se refere mais aos supervisores. A regulação pode ter ido longe demais na Europa. Eu acredito que o maior salto virá do desenvolvimento do mercado de capitais: private equity, bolsa, capital de risco. Mas tudo isto depende de existirem oportunidades de investimento. Se elas existirem, não haverá razão para não canalizar capital americano para a Europa. Aliás, muitas startups portuguesas, já maduras, são financiadas por investidores americanos. A Europa tem aí uma grande oportunidade: aprofundar o mercado único.

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