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Vítor Bento: “Os bancos vão ter de ser big techs”

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O presidente da Associação Portuguesa de Bancos defende a uniformização da regulamentação, para haver uma concorrência leal entre bancos e os novos players do setor financeiro. Ressalta ainda a desvantagem concorrencial em relação aos EUA, devido à fragmentação europeia. A nível nacional, considera que as contribuições para o Fundo de Resolução “não fazem sentido”.

13 Jan 2025 - 22:47

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Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos | Foto: André Nobre

Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos | Foto: André Nobre

Os bancos terão de ser empresas de base tecnológica muito forte, para poderem competir num mercado cada vez mais concorrencial e assente nas novas tecnologias, defende Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), naquela que é a entrevista de estreia do Jornal PT50. Porém, na sua perspetiva, a regulação e a supervisão têm que ser uniformizadas, para haver concorrência leal entre bancos e os novos players. Ressalta, no entanto, que a União Europeia é um conjunto de “mercados fragmentados”, sendo a união dos mercados um dos maiores desafios nas mãos da nova comissária europeia dos Serviços Financeiros e União de Poupança e Investimento, Maria Luís Albuquerque. Vítor Bento destaca ainda que, apesar de alguma retração dos grandes bancos dos EUA nos compromissos com a sustentabilidade, que se tem verificado as últimas semanas, este é um tema que interessa acautelar aos próprios bancos, dada a exposição dos créditos aos riscos climáticos.

Cristina Dias Neves (CDN): De que forma é que acha que esta recente liberalização dos pagamentos e o acesso aos dados bancários veio impactar os bancos tradicionais?

A realidade, por definição, é dinâmica e sistémica, o que significa que as coisas estão em constante movimentação e, quando se muda um determinado elemento, isso impacta todos os outros. O sistema bancário, obviamente, adapta-se a essas novidades todas. Aquilo que é fundamental é que quem atua neste universo esteja sujeito às mesmas regras. Portanto, o mesmo negócio, a mesma regulação, a mesma supervisão. Porque se houver players neste terreno sujeitos a regras mais favoráveis, isso é que é o elemento verdadeiramente adverso à atividade bancária. A partir daí, não acontecendo isso, a banca adapta-se como se tem de adaptar a todos os desafios.

Sónia Santos Dias (SSD): Nesta área, as big tech e das fintech estão a evoluir rapidamente, sobretudo junto das camadas mais jovens, com produtos inovadores. A banca tradicional está capacitada para acompanhar esta evolução acelerada?

Se não tiver, tem que estar. As fintechs são uma espécie de um novo animal que entra no ecossistema existente. Vai provocar reequilíbrios dentro do ecossistema, mas todas as componentes do ecossistema provavelmente sobreviverão, adaptam-se uns melhores, outros pior, mas o ecossistema reencontrará um novo equilíbrio. Com as big techs é uma situação diferente, as big techs constituem elas próprias um ecossistema, porque têm as plataformas tecnológicas nas quais assentam a sua atividade. Essas plataformas tecnológicas têm muita informação, têm mais informação sobre si do que tem o seu banco. Portanto, aí o desafio que se coloca é um ecossistema poder querer absorver outro ecossistema. Esse é um desafio de natureza diferente. Os bancos vão, inevitavelmente, ter que se adaptar aos desafios da tecnologia. Os bancos vão ter que ser big techs. Vão ter que ser big techs assentes na provisão de serviços financeiros, mas vão, num futuro talvez não muito distante, ser empresas de base tecnológica muito fortes.

SSD: Não considera que existe alguma espécie de concorrência desleal em relação às big tech e às fintech, uma vez que os bancos têm imensa regulação a que estão sujeitos, relativamente aos consumidores, à supervisão, por exemplo. Isso não poderá travar o desenvolvimento tecnológico acelerado que se pretende?

Sim, esse é um risco importante. A principal preocupação dos bancos é a entrada de novos players sujeitos às mesmas condições de concorrência. Utilizando metáforas, não faz sentido que numa corrida alguém esteja a correr com pesos numa perna e os outros corram livremente. Portanto, essa, de facto, é uma desvantagem que tem de ser evitada e só pode ser evitada pela via da regulação. A regulação e a supervisão têm de ser uniformizadas. O mesmo negócio, as mesmas regras, a mesma regulação, a mesma supervisão.

SSD: Mas considera que essas empresas mais inovadoras deverão acompanhar a regulação ou a própria banca é que tem regulação a mais? Recordo, por exemplo, o Acordo de Basileia ou o Regulamento de Resiliência Operacional Digital (DORA), que vai agora entrar em funcionamento a 17 de janeiro. Ou seja, a banca tem regulação excessiva?

Sim, começa a haver sinais de haver regulação excessiva. Mas aquilo que é importante ter em conta é que – vamos assumir que os poderes reguladores têm a sageza suficiente para determinar aquilo que é útil do ponto de vista social –  é a obrigação que todos os que atuam num determinado campo têm que estar sujeitos às mesmas regras.

SSD: E está a evoluir nesse sentido?
Ainda não o suficiente. A ideia é que estes novos entrantes ainda dispõem de vantagens competitivas que são indevidas, precisamente pela via da regulação.

SSD: Ainda na questão da regulação, estamos aqui a falar de um aspeto que poderá ser menos positivo, uma vez que existe uma concorrência que não está no mesmo patamar, mas também há aspetos positivos. O DORA vai incentivar à partilha de informação entre as próprias instituições financeiras, por causa dos riscos operacionais a que estão sujeitos. Os bancos estão preparados para partilhar a informação entre eles?

Os bancos são entidades diversas entre si. Uns hão de estar mais bem preparados, outros menos. Agora, o desafio coloca-se a todos e todos têm que responder a esse desafio. E se uns começarem a reagir mais rapidamente, isso em si, é um estímulo. Por isso é que a concorrência é uma pedra fundamental da economia de mercado, da economia capitalista. Aqueles que eventualmente ficarem para trás começam a perder capacidade competitiva.

SSD: Não existe receio de partilhar informação mais sensível ou mais interna por causa destes requisitos do DORA?

É óbvio que esse tipo de exigências coloca sempre esse tipo de dificuldade. A informação é um ativo importante. Aliás, hoje em dia cada vez se reconhece mais que a informação é a base de tudo. É óbvio que se coloca aqui a questão da informação enquanto elemento diferenciador, enquanto elemento competitivo e a informação ser ‘comoditizada’. Um excesso de ‘comoditização’ desincentiva a própria concorrência, desincentiva a própria inovação. Há um equilíbrio que tem que ser procurado.

CDN: Recentemente a APB manifestou-se contra um aumento de 0,75% para a reserva contra cíclica. Acha que a atuação do Governador do Banco de Portugal é muito conservadora neste domínio?

Não, eu não iria fazer esse tipo de qualificação. Centrar-me-ia mais noutros aspetos. Em primeiro lugar, quaisquer aumentos de requisitos de capital diminui o potencial de concessão de crédito. Essas coisas têm que ser feitas com o cuidado desse impacto. Em segundo lugar, hoje em dia os requisitos de capital já são muito elevados. E, no caso português, até são mais elevados do que noutros sistemas comparáveis. Portugal tem ponderadores de risco mais elevados, o que significa que, para o mesmo volume de crédito, os bancos portugueses estão sujeitos a requisitos mais elevados de capital. Se os ponderadores de risco fossem idênticos nos vários países, nós veríamos que os rácios de capital eram maiores do que aquilo que aparece nas estatísticas. Isto para dizer que nós já temos uma situação muito sólida no nosso sistema. Um dos desconfortos que a Associação transmitiu ao Banco de Portugal era que o salto era logo muito grande, porque noutros países onde foram introduzidas essas reservas os incrementos eram mais pequenos do que foi esta introdução da reserva. Começa com um incremento de 75 pontos base, o que se considerou que era demasiado face à situação de tranquilidade do sistema.

CDN: E acha que isto pode contribuir para uma perda de competitividade dos bancos portugueses?

Não consideraria esse o fator mais importante para a perda de competitividade. Os aumentos de rácios de capital têm o inconveniente de reduzir o potencial de concessão de crédito e ao mesmo tempo tornar as exigências de rendibilidade maior. Mas nós temos muitos mais outros elementos de desvantagem.

CDN: Quais são eles?

Nomeadamente as contribuições fiscais, as contribuições para o Fundo de Resolução e mais o Adicional de Solidariedade. Há uma série de alcavalas fiscais que, essas sim, tornam desnivelado a desfavor do sistema português as condições concorrenciais.

CDN: Quando é que a APB espera que as contribuições para o Fundo de Resolução terminem?

Não tenho essa expectativa no curto prazo, em função das regras que estão definidas. Eu acho é que não fazem sentido. Essa solução de serem os bancos a terem que resolver os problemas que houve, no fundo, é o equivalente que se no seu bairro houvesse alguém que pegasse fogo à casa depois iam pedir aos vizinhos todos que pagassem o prejuízo. Basicamente é o que está a acontecer. Não há sequer um substrato moral para essa exigência.

CDN: Por falar em regulação a nível europeu, dos eu ponto de vista, são os grandes desafios da nova comissária, Maria Luís Albuquerque, estando à frente dos serviços financeiros? Se estivesse a aconselhá-la, o que é que lhe diria?

Julgo que o desafio que irá marcar o seu exercício é aquilo que há muito tempo muitos operadores e utilizadores se queixam, que é não haver uma unificação do mercado de capitais. Na Europa em geral, quando não resolvemos problemas, mudamos o nome. Como não se conseguiu criar o mercado único de capitais, mudou-se o nome, agora estamos na Savings and Investment Union. O nome, em vez de ser a União de Mercados e Capitais, é a União das Poupanças e dos Investimentos. O problema é o mesmo, o nome mudou, portanto, dá a impressão de que o contador voltou ao zero.

CDN: E quais é que são os problemas?

Há uma fragmentação muito grande, desde legislações básicas, como a legislação sobre as falências, sobre as insolvências. Há um grande diferencial de competitividade, porque depois as próprias instituições financeiras operam muito mais livremente no mercado americano, e é por isso que grande parte da atividade financeira, tirando a intermediação bancária, está basicamente localizada nos Estados Unidos. E nós na Europa estamos inclusivamente neste paradoxo, a Europa é um país excedentário em termos de poupança, poupa mais do que investe. Mas muitas instituições europeias que precisam de se financiar no mercado de capitais vão-se financiar aos Estados Unidos com poupança europeia. E a Europa não é capaz de fazer essa intermediação. A intermediação dominante na Europa é a bancária, e muito bem, e presta um muito bom serviço, mas, no fundo, sinaliza essa dificuldade. E este, julgo, que vai ser um dos desafios com que vai ter de se confrontar.

SSD: Continuando nesta diferença entre Estados Unidos e Europa, entramos agora no campo da sustentabilidade. Os grandes bancos dos Estados Unidos, nas últimas semanas, deixaram a Net Zero Banking Alliance, que é a iniciativa das Nações Unidas para promover o investimento sustentável da banca. O que é que isto significa para o papel dos bancos na descarbonização da economia? Que sinal é que traz ao mercado?

Acho que o sinal para o mercado é capaz de ser menor do que aquilo que, de alguma forma, tem sido referido com alguns receios. Porque o facto de os bancos terem saído da aliança não significa que se tenham desinteressado do tema. Aquilo que eu julgo que preocupou os bancos e que os levou a sair é que, nos Estados Unidos, o ambiente geral não é o mesmo que na Europa relativamente às questões de sustentabilidade. E agora as instituições e as fontes ligadas ao novo poder acham que se está a ir longe demais nessa matéria, e que aquilo que deve ser uma preocupação envolvente se está a tornar demasiado central e está a desviar as empresas do centro daquilo que é a atividade das empresas. As empresas existem para produzir bens e serviços e, no fundo, para maximizar o valor criado. Portanto, se começam a virar o foco para servir objetivos políticos deixam de ser empresas. Aliás, já houve questões de ações em tribunal contra empresas, não apenas contra os bancos, precisamente por se centrarem excessivamente nesses objetivos políticos, descurando aquilo que é entendido como o dever fiduciário das empresas. Eu julgo que é este quadro que, de certa forma, esteve por detrás da escolha desses bancos, o que não significa que se tenham desinteressado. Apenas tentaram proteger-se deste tipo de potencial litigação de que possam vir a ser alvo. O risco bancário é risco para o crédito. Se as empresas a quem se concede crédito estiverem elas próprias num risco maior pelo facto de estarem expostas a riscos climáticos ou semelhantes, obviamente que isso, em última instância, é um risco de crédito. Portanto, os bancos não podem, de forma nenhuma, descurar o aumento do risco que possa advir dessas atividades.

SSD: Mas não acha que isso pode contagiar também a banca europeia? Os bancos na Europa vão continuar empenhados nestas questões?

Eu acho que o desafio maior vai-se colocar às entidades reguladoras. Como disse, os bancos em si têm um interesse próprio na questão da sustentabilidade através do risco de crédito. E eu acho que essa que é a abordagem que faz sentido. O problema colocar-se-á aos bancos indiretamente, porque se os bancos europeus forem sujeitos a exigências maiores do que são os bancos americanos, obviamente, isso é mais uma desvantagem competitiva em cima de muitas outras. Mas isso é um desafio para as autoridades reguladoras.

SSD: Um estudo do Banco de Portugal diz que os bancos portugueses têm “exposição significativa” a empresas suscetíveis aos impactos das alterações climáticas. Os bancos também falam que existem poucos dados para fazerem esta avaliação de crédito. Como é que se resolve esta situação?

O risco que os bancos têm nessa frente é o risco do país. O que essa expressão quererá dizer é que o país está exposto a muitos riscos climáticos. Não há um problema específico da banca, porque a banca dá crédito em Portugal, portanto, se Portugal estiver sujeito a esses riscos, esses riscos refletem-se mais na carteira dos bancos. Estou apenas a tirar o corolário lógico. Obviamente, todos sabemos, Portugal está sujeito a determinadas frentes de risco, desde a parte marítima, a parte dos incêndios e tudo mais, mas também não creio, como eu às vezes vejo em certos mapas físicos, que chega à fronteira e o risco se reduz brutalmente. Portanto, havendo uma continuidade geográfica maior, é um pouco difícil perceber que haja uma quebra de risco imediatamente mal se passe a fronteira. Se calhar aí é um desafio a que as próprias autoridades e até as autoridades políticas têm que dar atenção para aquilo que é a imagem que o país tem, como é que é percebido no exterior. Se Portugal é percebido como uma ilha de risco, provavelmente não corresponde à verdade e, em segundo lugar, obviamente que isso é uma adversidade muito grande para Portugal.  Há, de facto, uma grande falta de informação. Nós temos um tecido empresarial muito baseado em pequenas e médias empresas e até microempresas, e essas empresas não têm facilmente a informação disponível sobre a sua própria exposição. Portanto, os próprios bancos, para poderem fazer a avaliação em que medida é que o seu crédito tem mais ou menos risco dessa natureza, precisam de conhecer melhor também a própria atividade das empresas. É um caminho que se está a fazer.

SSD: Criticou que não existe informação semelhante do outro lado da fronteira.

Eu vejo é nos mapas físicos uma concentração de determinados riscos físicos em Portugal e depois cria-se uma descontinuidade muito grande. E eu, intuitivamente, quero crer que a mancha de risco físico é menos discreta e mais contínua, embora possa diminuir significativamente à medida que nos movimentamos para dentro. Mas não há de ter uma queda abrupta na fronteira, até porque a fronteira muitas vezes é uma linha imaginária.

CDN: Está a dizer que em Espanha a avaliação do risco climático é diferente?

Eu não sei quem é que faz esses mapas. Estou a dizer que eu já vi mapas onde, de facto, o risco de Portugal aparece muito evidente e depois é demasiado descontinuado.

CDN: Voltando à dicotomia entre os Estados Unidos e a Europa, o que se verifica é que os bancos americanos são de muito maior dimensão do que qualquer banco europeu e os bancos asiáticos. Acha que há espaço para a concentração bancária na Europa?

A resposta mais honesta é não sei. Em primeiro lugar, temos que perceber que os Estados Unidos são verdadeiramente um mercado integrado. Tem vários estados, mas existe todo um chapéu legislativo, cultural, linguístico, de prática acumulada, que é uniforme. Na Europa, não. Na Europa, apesar de todos os esforços e todas as boas vontades que nós queremos ter, é um conjunto fragmentado. Aliás, acho que uma das maiores invenções que nós temos criado dentro da Europa é que há um mercado único europeu. Não existe. Existe uma coleção de mercados fragmentados que, por acaso, têm algumas regulações que são comuns a esses mercados todos.

CDN: Mas concorda que há necessidade de haver uma consolidação se nós queremos ser verdadeiramente competitivos?

Quando disse que não sabia, realmente não sei. Mas enquanto presidente da APB não tenho opinião sobre a estrutura industrial dos meus associados. Eu parto do princípio que eles próprios entendem aquilo que lhes é conveniente. Do ponto de vista teórico, é normal admitir, faz parte da análise estratégica que todos os gestores farão. Todos os gestores estarão permanentemente a fazer contas aos riscos e às oportunidades de integração. Se há oportunidades que valha a pena aproveitar proactivamente, se há riscos relativamente aos quais tenha que haver defesa. Eu julgo que isto faz parte da análise estratégica e se não a fizerem é porque estarão distraídos. Isto é o normal em qualquer indústria.

CDN: Então, eventualmente, também não pode responder se considera que há espaço para consolidar aqui em Portugal?

Exatamente pela razão que disse, não comento isso. Eu acho que o mercado português está equilibrado, aparentemente há uma satisfação com a atual estrutura, a estrutura atual proporciona suficiente concorrência e proporciona suficiente capacidade de serviço. Fora disso, cada um dos players saberá melhor aquilo que deve ser feito.

CDN: Mas o que é que achava mais interessante para o nosso país e para todo o ecossistema financeiro, que o Novo Banco se consolidasse com outro banco nacional ou que viesse, por exemplo, o UniCredit comprar o Novo Banco?

Eu não vou desenvolver muito mais do que isso, porque uma coisa poderão ser opiniões que eu possa ter enquanto cidadão. Eu estou aqui na qualidade de presidente da APB. A minha opinião relativamente a isso é que todos os bancos são iguais, os associados da APB têm todos o mesmo tratamento, têm todos a mesma dignidade, e nós respeitamos as escolhas que cada um faz.

CDN: Temos um banco público, a Caixa Geral de Depósitos. Qual é a opinião oficial da APB sobre esta questão? Acha que faz sentido para o nosso país assim tal como está?

A APB não tem opinião sobre isso, mas sobre essa matéria eu posso-me aventurar um pouco mais, porque não conflitua necessariamente com a minha posição de presidente da APB. Eu julgo que a questão da propriedade é relativamente irrelevante desde que estejam todos os sujeitos ligados às mesmas condições concorrenciais. Essa é que é a questão fundamental.

Eu não tenho nenhum preconceito contra a existência de bancos de capital público.  Pode haver situações onde isso dê tranquilidade à sociedade, podem ver nisso um elemento de segurança, depende muito da cultura das várias sociedades. Aquilo que é importante salvaguardar para o sistema e para a própria instituição é que a instituição é gerida e funciona de acordo com as mesmas regras que as demais instituições.

CDN:  Como é que acha que vai evoluir todo o sistema financeiro com a emergência destas novas tecnologias, sobretudo o blockchain? Como é que vê o sistema financeiro daqui a 20 anos?

Eu acho que aquilo que se pode dizer a esta distância é que os bancos vão, de facto, ser empresas cada vez mais tecnológicas, isso seguramente vai acontecer. Mas 20 anos, na época que nós vivemos, é um prazo muito, muito longo.

CDN: Então, daqui a 10 anos.

É um prazo muito longo, o que significa que a aceleração do conhecimento da tecnologia é muito grande. Mas uma aceleração muito grande também é sujeita a muitos erros de previsão.

Por exemplo, uma das áreas que ficou aquém até agora daquilo que se esperava era a área da saúde. Esperava-se que a saúde tivesse dado um salto maior, com base quer na inteligência artificial, quer na computorização em geral. Isto só para dizer que há questões de velocidades difíceis de prever. Portanto, a única coisa que posso dizer com alguma segurança é que os bancos vão ser todos muito tecnológicos. No futuro serão uma forma de big techs, de uma maneira ou de outra, mas não sei dizer em que sentido, vai depender se vai haver Eurodigital, o que é que o Eurodigital vai fazer, ou outras alternativas que possam aparecer nesse sentido.

Quanto à blockchain, é uma tecnologia que permite centralizar a certificação de dados, a certificação de informação, no fundo permite descentralizar. Isso tem mais efeitos processuais do que outra coisa. A inteligência artificial, provavelmente, terá um impacto maior do que a blockchain, mas isto é um leigo a falar de tecnologia.

CDN: Dentro deste novo contexto, desta revolução que nós estamos a assistir, não só pelas novas tecnologias que estão a surgir, os novos players na área dos pagamentos e por aí em diante, como é que gostaria que a APB evoluísse? Como é que a APB vai incorporar todos estes novos players no mercado?

A Associação Portuguesa de Bancos é uma instituição que associa bancos. Portanto, tudo aquilo que forem bancos são potenciais associados da APB. E o papel de bancos vai-se manter, com funções variadas, mas a ideia de recolher poupanças das pessoas e de as aplicar em crédito vai-se manter. A regulação é que vai definir o que é banco e o que é não é banco. Isto é uma definição regulatória. A associação será o reflexo disso.  Acomodará aquilo que for a evolução da realidade.

CDN: Mas neste novo contexto não acha que os bancos vão ser menos relevantes?

Não. Ou seja, os bancos são máquinas de viajar no tempo. No fundo, se quiser comprar uma casa e não tiver dinheiro para a comprar, mas sabe que ao longo da sua carreira vai acumular dinheiro para isso, o que o banco permite através do crédito é ir ao futuro buscar esse dinheiro todo, trazê-lo para agora para comprar a casa. Este desfasamento temporal entre as necessidades e as capacidades que as pessoas têm vai sempre existir. E os bancos, no fundo, são o portal do tempo que permite fazer essa ligação entre o presente e o futuro das pessoas. Se vai haver mais players, quais vão ser os instrumentos, isso seguramente vai variar. Hoje em dia, as pessoas já não depositam ouro.  As pessoas começaram por depositar ouro. Depois, em troca de ouro, recebiam uns papéis. Depois, às tantas, esses papéis já não representavam ouro, já representavam só a promessa do banco e por aí adiante. Essa natureza vai sempre mudando, mas a essência, que é haver capacidade excedentária de fundos e capacidade deficitária de fundos e haver uma ponta entre essas duas situações vai sempre existir.

CDN:  Como é que gostava de ser recordado à frente da APB? Ou seja, que marca gostaria de deixar?

Que tenha cumprido a minha missão, isto é, que aqueles que dependeram da minha atividade, basicamente os associados, reconheçam que fiz um bom trabalho, ajudei a defender os interesses do setor, porque a Associação existe para isso. A APB é um agregador das várias instituições. Cada uma delas terá a sua visão, terá o seu ideal transformador.  A APB tem que ser uma entidade que vai ter de saber ler aquilo que são os interesses dos seus associados, não ser excessivamente disruptor para não perder associados pelo caminho, mas ao mesmo tempo também não deixar que os interesses caiam e que sejam descuidados. Essa é a parte que eu tenho procurado fazer, mas obviamente os meus associados é que estão em condições de julgar. Mas não tenho um sinal desfavorável, pelo contrário.

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