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NPL e servicers: proposta de lei para transpor as regras europeias para proteger devedores em incumprimento e impulsionar o mercado do crédito malparado

Por Nuno Nogueira Pinto, diretor de 'Banking and Finance' – Broseta Portugal

30 Ago 2025 - 08:02

5 min leitura

Nuno Nogueira Pinto, Advogado

Nuno Nogueira Pinto, Advogado

O acesso a crédito é um instrumento essencial para o funcionamento da economia moderna. Esta função assumida pelos bancos está condicionada pelo cumprimento de um quadro normativo rigoroso que visa proteger os interesses de quem empresta e de quem pede os empréstimos, garantindo a estabilidade do sistema financeiro. Como os créditos concedidos representam o activo mais significativo dos bancos, não só é imprescindível proceder a uma análise criteriosa antes da sua concessão, mas também a uma gestão atenta durante todo o ciclo de vida do empréstimo. Nem todos os devedores cumprem, o que leva à necessidade de os bancos adoptarem estratégias de acompanhamento, recuperação e mitigação de perdas – numa palavra, de gerirem os créditos concedidos. Até porque quando um crédito é classificado como crédito não produtivo (usualmente designado por NPL – ‘non-performing loan’) tem impacto directo sobre as exigências regulatórias dos bancos, designadamente quanto aos níveis de capital exigidos, reflectindo-se na sua gestão de risco e na saúde do sistema bancário em geral.

Para harmonizar estas práticas e reforçar a segurança jurídica, a União Europeia aprovou, em 2021, a Directiva (UE) 2021/2167 (Directiva NPL), que estabelece regras para a gestão e aquisição de créditos bancários não produtivos. Portugal atrasou-se na transposição, que deveria ter sido feita até final de 2023. A proposta de lei transpositora, recentemente promulgado pelo Presidente da República, tem dois objectivos principais: primeiro, fomentar o mercado secundário de crédito malparado, permitindo que os bancos vendam estas posições em condições competitivas; segundo, garantir que os devedores não são prejudicados pela cessão do crédito, mantendo-se inalterada a sua posição contratual inicial.

Dito de outro modo: o crédito pode mudar de mãos, mas os direitos do devedor permanecem protegidos.

A proposta de lei transpositora da Directiva NPL define também regras específicas para quem adquire o crédito, com destaque para a obrigação de contratar gestores profissionais de créditos – os chamados ‘servicers’ (ou seja, os gestores de créditos que, no exercício da sua actividade empresarial, gerem e executam os direitos e obrigações relacionados com os direitos no novo credor). Isto significa que, por regra, o novo credor não pode gerir directamente a dívida sem recorrer a profissionais habilitados, garantindo uma gestão qualificada e protegendo os interesses do devedor.

Na prática, os ‘servicers’ actuam como intermediários especializados entre o devedor e o novo credor que adquiriu o crédito ao banco. Quando um banco vende créditos em incumprimento, nem sempre o adquirente tem a capacidade técnica ou a autorização legal para gerir directamente esses créditos. É aqui que entra o ‘servicer’, assumindo funções essenciais como a gestão da cobrança e recuperação de valores, a negociação com o devedor, a prestação de informações detalhadas ao adquirente do crédito e o cumprimento dos direitos e deveres dos devedores, tal como estão previstos no contrato de crédito originalmente celebrado com o banco.

Além disso, exige-se que o ‘servicer’ actue em conformidade com os princípios de neutralidade do devedor, garantindo que a cessão do crédito não o coloca em posição menos favorável do que a inicialmente contratada com o banco. Para garantir isso, passará a ser exigida autorização administrativa prévia para o exercício da actividade de ‘servicer’, que fica sujeita a supervisão pública e a um conjunto rigoroso de deveres legais, com sanções para os incumpridores. Esta estrutura visa não apenas proteger os interesses do novo credor, mas também garantir que a gestão de créditos não compromete os direitos do devedor e que se realiza de forma profissional e transparente.

Em suma, o ‘servicer’ funciona como uma peça-chave na dinâmica do mercado de créditos não produtivos, assegurando a gestão eficiente, profissional e transparente de créditos bancários em incumprimento, e permitindo que tanto os bancos quanto os adquirentes de créditos malparados operem em condições mais seguras e competitivas.

O outro elemento merecedor de destaque da proposta de lei transpositora da Directiva NPL é a actualização da Central de Responsabilidades de Crédito (CRC). A CRC é uma ferramenta crucial na avaliação do risco de crédito, permitindo aos bancos e demais mutuantes verificar o histórico de pagamentos e a situação financeira de quem pede empréstimos, antes de os conceder. Com as novas regras, também os ‘servicers’ passam a poder aceder à informação centralizada. A abrangência da informação constante da CRC – que inclui dados financeiros, contabilísticos e de risco – será alargada, bem como a sua utilização, permitindo uma melhor avaliação do crédito e reforçando a protecção do sistema financeiro, através da prevenção do sobreendividamento e do crédito malparado.

Estas mudanças reflectem uma tendência europeia clara: reduzir o peso de créditos não produtivos nos balanços bancários, profissionalizar a gestão de créditos em incumprimento e proteger os direitos dos devedores. Para os cidadãos e empresas, a principal garantia é que, mesmo que a dívida seja vendida a um terceiro, a posição contratual original permanece intacta, evitando situações de insegurança jurídica ou abusos.

Em suma, a Directiva (UE) 2021/2167 e a proposta de lei que a irá transpor combinam dois imperativos: dar maior fluidez ao mercado de crédito e reforçar a protecção daqueles que recorrem ao crédito bancário. Com a transposição, Portugal ajustar-se-á às melhores práticas europeias, criando um sistema mais transparente, seguro, profissional e eficiente, capaz de conciliar os interesses de bancos, adquirentes de créditos, ‘servicers’ e devedores.

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