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Euro Digital para quê e para quem?
Autor
Editorial de Cristina Dias Neves
06 Fev 2025 - 18:13
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Recentemente deparei-me com um comentário bastante interessante na CNN feito pelo antigo CEO da Stellantis, Carlos Tavares. Segundo o gestor luso-francês, a Europa cometeu um erro enorme ao impor a transição de veículos com motor de combustão para veículos elétricos. A imposição da adoção da atual tecnologia nos Estados Membros não considerou o impacto social que a mesma poderia ter. Há 14 milhões de europeus que dependem, a nível laboral, diretamente do sector automóvel, sem contar com aqueles que dependem indiretamente em toda a sua cadeia de valor. Vários países europeus contam com indústrias incontornáveis no setor. Impor uma transição neste domínio sem avaliar o seu impacto social foi, segundo as palavras de Carlos Tavares, “uma reação emocional, não madura e não estratégica”.
Serve esta ideia, a meu ver muito pertinente, para considerar até que ponto se deve impor politicamente a adoção de novas tecnologias. Refiro-me aqui ao tema da adoção do Euro Digital. Há uns anos que a União Europeia, mais precisamente o Banco Central Europeu, promove a introdução da moeda digital. Há toda uma campanha com brochuras coloridas, argumentos escritos e gráficos a defender a sua adoção faseada, com muitas cautelas, tetos máximos, e sem esquecer as carteiras híbridas. Não faltam argumentos a favor: será uma moeda mais inclusiva, mais fácil de transacionar, será uma moeda digital emitida pelo Banco Central Europeu e que viaja por toda a Europa, muito segura, totalmente privada e anónima, como o numerário dentro de uma mala esquecida, e que facilitará o combate à fraude e ao branqueamento de capitais. Acresce que também será muito importante para promover a inovação nos pagamentos e já, agora, para combater os grandes sistemas de pagamentos não europeus.
Do outro lado da barricada estão os Bancos, que olham para o processo com alguma desconfiança, e, a meu ver, com razão. Euro Digital para quê e para quem? Em 2023, a Federação Europeia de Bancos encomendou um estudo à Copenhagen Economics sobre o impacto que a introdução do Euro digital teria no sistema bancário. E este conclui, que, caso cada cidadão europeu detenha até 3000 euros digitais, isto pode significar uma saída de 739 mil milhões de euros em depósitos do sistema, ou seja, cerca de 10% dos depósitos ou 3% do passivo total dos bancos europeus. Claro que este impacto vai variar consoante a geografia e a tipologia de bancos, sendo que os mais pequenos, mais dependentes de depósitos para funding, seriam aqueles que mais sofreriam esta erosão. Por outro lado, importaria verificar o comportamento dos depositantes através de testes de stress. Ora, também aqui o estudo indica que provavelmente, a adoção do euro digital afetaria a concessão de crédito na medida que em que os custos de financiamento poderiam aumentar. Somando estes impactos aos desafios que os Bancos Europeus já têm pela frente, como o financiamento da transição verde ou os enormes investimentos em infraestruturas tecnológicas que estão a ser feitos de forma a suportar todos os processos de inovação em curso: a liberalização dos pagamentos, ciber-segurança, avaliação de riscos e por aí em diante, é natural que o setor esteja reticente a esta mudança. O que não é natural é que a Europa não perceba o impacto social que este processo pode vir a ter.
Não é por acaso que muitos acusam as instituições europeias de se comportar como instituições onde 80% da sua atividade serve para justificar a sua existência, procurando, em vez de resolver problemas de forma pragmática, perseguir ideias com muito pouca adesão à realidade. Não é que seja, em teoria, contra a ideia de um euro digital, até admito que estas stablecoins a prazo se converterão num instrumento análogo à moeda física, mas sejamos honestos: de que inclusão é estão a falar numa sociedade que é quase 100% bancarizada? E em que é já obrigatório existirem contas gratuitas de serviços mínimos? Quem é que pretendem incluir? Os 2% de analfabetos que não sabem o que é o digital? E de que segurança estamos a falar? Segurança dos nossos dados ou segurança das transações ilegais? É que a confidencialidade a aplicar-se, é a todos, não só a alguns. E de que facilidade de pagamentos estamos a falar quando o sistema tem cada vez mais opções simples e baratas no mercado?
Não deixa de ser curioso que Donald Trump tenha cancelado por decreto todos projetos de dólar digital logo no primeiro dia de mandato. Compreendo. Antes de mais, há toda uma indústria a defender. E sem saber o que se perde, não vale a pena fazer as contas ao que se ganha.
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