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J.P. Morgan: o banqueiro que mudou a América
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John Pierpont Morgan foi crucial na industrialização dos EUA, intervindo ativamente em vários setores e supervisionando os mercados financeiros, numa altura em que não existia a Reserva Federal. Conhecido como um grande e poderoso banqueiro, também investiu em arte e cultura. Morreu em 1913, deixando um legado que perdura até hoje. Esta é a primeira crónica do jornalista Filipe S. Fernandes sobre as grandes figuras da história do sistema financeiro.
27 Jan 2025 - 17:27
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Pintado por Fedor Encke em 1903
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Pintado por Fedor Encke em 1903
John Pierpont Morgan foi um dos pioneiros da industrialização e da construção do poderio económico dos Estados Unidos. Organizou os gigantescos sistemas ferroviários e “trusts” empresariais, presidiu a uma transferência maciça de riqueza da Europa para os Estados Unidos e, numa altura em que a América não tinha um banco central, actuou como supervisor dos seus mercados de capitais e prestamista de última instância. Nesse processo, ajudou a transformar uma sociedade maioritariamente agrária num Estado industrial moderno, como sublinhou Jean Strouse, em “Morgan. American Financier”.
Foi incluído entre os “Robber Barons”, como John Rockefeller, Andrew Carnegie, Cornelius Vanderbilt entre outros, que usaram métodos pouco ortodoxos, a corrupção e métodos nas margens das leis para se tornarem monopolistas, mas também ordenaram o caos criativo e tornaram-se grandes capitães da indústria e filantropos. Quando J.P. Morgan morreu em 1913, aos 75 anos “era o banqueiro mais poderoso do mundo”, como escreveu Jean Strouse e grande parte da sua fortuna fora dedicada a enriquecer os Metropolitain Museum e o Museu de História Natural.
John Pierpont Morgan nasceu em Hartford a 17 de abril de 1837, filho de Juliet Pierpont (1816–1884) e Junius Spencer Morgan (1813–1890). Ficaria conhecido como J.P. Morgan, descendia de cinco gerações de Morgan, proprietários de terras, que cultivam no Connecticut River entre 1638 e 1817, e equivaleria ao atual Sillicon Valley. O seu avô foi capitão no exército de George Washington na guerra da Independência, enquanto o seu tio Joseph III teve um hotel, empresas de transporte e foi fundador da seguradora Aetna Fire.
O seu pai, Junius, começou, aos 23 anos, com um negócio de alimentos secos e sólidos e, em 1851, transferiu-se para Boston, como partner da J.M. Beebe, Morgan & Co, uma trading de algodão. Em 1854, foi convidado por George Peabody, norte-americano, que tinha fundado uma casa bancária em Londres, para ser seu sócio. Quando John Pierpont era uma criança, Junius fê-lo mexer num milhão de dólares em dinheiro para que soubesse qual era a sensação e, desde cedo, é ensinado a ponderar o risco.
Do lado materno pontificavam mercadores, agricultores e teólogos. Um dos seus parentes maternos, James Pierpont (1659-1714), foi um dos fundadores da Universidade de Yale. O tio James L. Pierpont escreveu a canção “Jingle Bells”, originalmente intitulada “The One Horse Open Sleigh” sobre o Dia de Ação de Graças, mas que foi um fracasso quando foi publicada em 1857.
A saúde recuperada no Faial
Em 12 de novembro de 1852, depois de uma viagem tormentosa de 15 dias no navio “Io”, John Pierpont Morgan, então com 15 anos, desembarcou no porto da Horta no Faial, enviado pelo pai, com o objectivo de se curar da febre reumática que havia contraído, que o afastara da escola e o impossibilitava de caminhar de forma autónoma. Ficou alojado no Hotel Fayal, a que ele nas cartas designava por Hotel Silva, nome dos gerentes, e estava ao cuidado do cônsul americano Charles Dabney e da sua família, com quem acabou por manter um convívio diário, e, sobretudo, uma longa e profunda amizade.
A sua recuperação foi rápida, e, em pouco tempo, ficou em condições de jogar futebol, bowling, ténis, fazer caminhadas e andar a cavalo. A 15 de abril de 1853 deixou o Faial no barco a vapor, Great Western, com destino a Southampton, onde se reencontrou com os pais que residiam em Londres.
Da sua estadia no Faial ficaram as cartas aos pais e um diário que dão conta das suas observações, pensamentos, tristezas e alegrias. Além disso, como refere Elisa Gomes da Torre, no Faial habituou-se a anotar, meticulosamente, o estado do tempo e a registar a temperatura ao longo do dia e fascinou-se pela navegação e pelos barcos tendo, mais tarde, sumptuosos iates, apelidados Corsair, “em que viajará pelo mundo e será lugar de esplêndidos encontros de negócios e políticos em festas que marcam a agenda social mundial, no luxo que marcou a sua vida”, escreveu Elisa Gomes da Torre.
A memória do Faial levaria o taciturno banqueiro a escrever um poema no Natal de 1887, a pretexto da visão de umas cadeiras de vime que enviara aos pais, que começa com “Três cadeirinhas fazem voltar/ Velhas memórias do querido Faial!” e termina com “Ah cadeirinhas – fazem-me relembrar/Tanto anos passados, o meu querido Faial!”.
Em maio de 1853 fez com a família o seu primeiro Grand Tour europeu pela Alemanha, França, Itália, que teve um papel importante no seu desenvolvimento pessoal. Regressou a Boston para estudar na English High School. Seguiram-se os estudos no Instituto Sillig em Vevey, pelo do lago de Genebra na Suíça e, segundo os registos escolares, distinguia-se em matemática, era divertido e industrioso, e fez um grupo de amigos para a vida que se materializava através dos encontros e jantares dos “Sillig Boys”. Em abril de 1954 prosseguiu os estudos na Universidade de Gottingen na Alemanha, tornando-se fluente em francês e alemão, tendo sido convidado para seguir a carreira académica nas matemáticas.
Em fins de 1857, a sua carreira, por indicação do pai, Junius, começou na firma de private bank de Nova Iorque, Duncan, Sherman & Co. Como diz Francis Henry Taylor, “não foi uma associação totalmente feliz, pois parecia haver uma tendência, no início, para subestimar este jovem autoconfiante e taciturno de formação europeia e considerá-lo apenas um fils à Papa”. Neste banco aprendeu os segredos do negócio bancário, além de tratar dos negócios da empresa do pai em Nova Iorque. Numa visita a uns clientes em Nova Orleães fez uma operação de trading de café com crédito da Duncan, Sherman, onde obteve lucros.
Em 1861, quando eclodiu a Guerra de Secessão dos Estados Unidos, J. P. Morgan escapou ao serviço militar pagando 300 dólares a um substituto para lutar por ele. Nessa altura lançou o seu próprio negócio, a J. Pierpont Morgan & Co, com 300 mil dólares de capital concedido pelo pai, Junius, e envolveu-se em negócios de armas que daria origem ao escândalo das “Hall Carbines”, de que acabaria ilibado. Ainda nesse ano, J.P. Morgan casou-se com Amelia Sturges, filha de um rico empresário de Nova Iorque, que viria a morrer de tuberculose quatro meses após o casamento em Nice.
Um ano depois, o primo James J. Goodwin torna-se partner, a empresa ganhava nova denominação, J. P. Morgan & Co, para onde são transferidas as contas do negócio londrino. Um novo negócio especulativo com ouro com Edward Ketchum, que depois desviou ações do banco do pai e forjou certificados de ouro, alguns com o nome de J.P. Morgan, irritou o pai, Junius porque, com estes negócios, parecia que J.P. Morgan não dava importância ao carácter e à reputação.
Com a criação da J. S. Morgan & Co em 1864 em Londres, o pai, Junius, convocou J. P. Morgan para os negócios da família, que dissolve a sua empresa e com um antigo colega da Duncan, Sherman, C. H. Dabney, que era um senior partner, cria a Dabney, Morgan, & Co, que se tornou um braço em Nova Iorque da J.S. Morgan & Co. Nessa altura, Morgan casou-se com Frances Louisa Tracy (1842-1924), filha de um advogado de Nova Iorque, e o casal acabou por ter quatro filhos. Como escreveu Charles R. Morris, em “The Tycoons”, foi a réplica do casamento do pai, “um homem poderoso num casamento frio com uma mulher neurasténica. No entanto, ao contrário do seu pai, Pierpont tinha uma sucessão de amantes que nunca se preocupou em esconder dos colegas ou da família”.
A aliança com Drexel
Quando C.H. Dabney se retirou em 1871, J. P. Morgan estava “muito cansado e sofria de desmaios recorrentes, por isso pensou seriamente em abandonar os negócios”, porque “os seus partners encaravam o negócio como uma sinecura”, salientou Charles R. Morris. Mas o pai Junius escolheu um banqueiro experimentado, Anthony Drexel, e a firma passou a ser a Drexel, Morgan & Co, que, em 1 de julho de 1871, aliava os negócios bancários dos Drexel e dos Morgan, que passavam a ter presença em Nova Iorque, Filadélfia, Londres e Paris. Nesta altura havia mais de 1900 private banks nos Estados Unidos. Duas semanas depois, J.P. Morgan partiu com a mulher e três filhos para uma viagem de nove meses à Europa, regressando em setembro de 1872.
Como escreveu Charles R. Morris, Junius podia ter sido menos cauteloso porque J. P. Morgan estava claramente bem preparado. “Dotado de poderosa inteligência, grande visão financeira e enorme força pessoal, gozava de um crescente número de seguidores em Wall Street e era elogiado pelo serviço de crédito de Dun por conduzir um negócio de “primeira classe””
“O génio de Morgan foi de disciplinador, não de criador. Foi o último dos grandes banqueiros mercantis dos séculos XVIII e XIX, e não o pioneiro de uma nova era. Fez o que o seu pai e os outros banqueiros sempre fizeram, mas em traços mais largos, numa tela maior, aplicando a sua formidável inteligência a construções financeiras cada vez mais complexas. O seu impulso fundamental era a ordem e o controlo, e ficou horrorizado com a tempestade de “destruição criativa” no coração do longo boom americano”, como escreveu Charles R. Morris. J.P. Morgan não era “um homem dado a instrospeções ou análises. A sua inteligência era percetual e concreta; lidava com números, objectos, acções. O seu nariz deformado por uma doença genética acentuava a sua rudeza, mas “Pierpoint era brilhante, um génio que vivia da pressão dos negócios”.
Em 1873, J.P. Morgan ajudou a salvar o padrão-ouro dos Estados Unidos quando dirigiu um sindicato bancário que emprestou ao governo federal mais de 60 milhões de dólares e, coordenou com os Rothschilds, o fornecimento de ouro ao Tesouro dos EUA, tornando-se depois distribuidor das obrigações do governo e um dos seus financiadores em consórcios com bancos de Nova Iorque e Filadélfia.
A sua primeira atuação na reestruturação dos caminhos de ferro fora em 1869 com o controlo da Albany & Susquehanna Railroad: “o confronto não foi só travado por via contenciosa, mas também pela força das armas”. Seguiram-se várias outras reestrutrações de caminhos de ferro, em que um dos métodos era reunir na sua casa, em 219 Madinson Avenue, vários dos proprietários de caminhos de ferro endividados e dizer-lhes: “as vossas empresas pertencem aos meus clientes”. Neste processo ganhou o controlo de partes significativas das acções dessas companhias e acabou por controlar cerca de um sexto das linhas ferroviárias americanas reorganizando a Albany & Susquehanna (1869), a New York Central (1885), a Philadelphia & Reading (1886) e a Chesapeake & Ohio (1888) e em 1890 financiou a Northern Pacific Railroad.
A compra do império do aço
Em 1892, Morgan organizou a fusão da Edison General Electric e da Thomson-Houston Electric, o que levou à criação da General Electric. Em 1895, com a morte de Anthony Drexel, a sua empresa foi reorganizada como J.P. Morgan & Company.
Em 1901, negociou com Andrew Carnegie a compra da Carnegie Steel entregando-lhe um papel com o valor da compra, que este aceitou. J.P. Morgan disse-lhe: “agora é o homem mais rico do Mundo”. Liderou a consolidação da Carnegie Steel Company com várias outras empresas semelhantes, criando a primeira empresa de mil milhões de dólares da história, a U.S. Steel, que dominava 70% do mercado do aço e em que tinha John Rockfeller como principal sócio. Em 1902, J.P. Morgan comprou a White Star Line por 32 milhões de dólares, empresa detentora do Titanic, p maior navio do mundo que naufragou na sua viagem inaugural.
Em outubro de 1907 a Bolsa caiu 50% e iniciou-se uma corrida aos depósitos, o que levou muito bancos à falência. Para conter o pânico dos banqueiros, J.P. Morgan interveio e reuniu na sua casa de Madison Avenue com os principais bancos e financeiros e convenceu-os a socorrer várias instituições financeiras em dificuldades para estabilizar os mercados e o sistema bancário. Nestes dois casos atuou como um banco central que não existia ainda.
Este episódio foi um detonador para uma crescente onda de críticas que o acusavam de ter demasiado poder e de poder manipular o sistema financeiro em proveito próprio. Uma resolução apresentada pelo congressista Charles Lindbergh Sr. em 1912 apelava a uma investigação do poder de Wall Street. Isto levou o congressista Arsène Pujo, do Louisiana, a obter autorização do Congresso para formar uma subcomissão da Comissão da Banca e da Moeda da Câmara, que foi a Money Trust Investigation, que funcionou entre maio de 1912 e janeiro de 1913 e ficou conhecido como Comité Pujo da Câmara dos Representantes. J. P. Morgan foi um dos banqueiros chamados a testemunhar perante o Congresso, o que estes consideraram uma invasão da sua privacidade. As audiências do Comité Pujo contribuíram para a criação do Sistema da Reserva Federal em dezembro de 1913 e para a aprovação da Lei Clayton Antitrust de 1914.
As artes e Deus
Morgan era conhecido por ser “imperiosamente orgulhoso”, rude e solitário. Na viragem do século, Morgan era o maior mecenas das belas-artes da América. Foi a força motriz por detrás da criação do Metropolitan Museum of Art, tendo sido presidente e doado uma grande parte das suas aquisições pessoais. “Quase sozinho, Morgan transformou o Metropolitan, de uma coleção meramente notável, numa das três ou quatro melhores do mundo”, escreveu o historiador Paul Johnson.“Morgan empregou obviamente especialistas… mas é espantoso quão poucos erros permitiu que cometessem em seu nome.”
J.P Morgan foi administrador do Museu Americano de História Natural durante 44 anos, Morgan fez parte da direção desde a abertura do museu em 1869 até à sua morte em 1913. Foi muitas vezes o principal doador do museu. Entre as suas muitas contribuições para o museu, observa Strouse, contavam-se “colecções de minerais, pedras preciosas, meteoritos, âmbar, livros, relíquias pré-históricas da América do Sul, trajes dos índios americanos, vertebrados fósseis, esqueletos e a múmia de um mineiro pré-colombiano preservada em sais de cobre”.
Não se preocupava apenas com o dinheiro e a arte, mas também com Deus. Muitas vezes, ao fim da tarde saia do seu escritório no número 23 de Wall Street e dirigia-se para a St Georges Church, para cantar os seus hinos favoritos com o seu organista preferido. Ao longo da sua vida profissional, reservou três semanas, a cada três anos, para se encontrar com bispos episcopais e discutir teologia. Foi tesoureiro e diretor da Igreja Episcopal de St. George.
Morreu aos 75 anos, a 31 de março de 1913, em Roma, Itália. No dia 14 de abril, dia do seu funeral, a Bolsa de Valores de Nova Iorque fechou em sua honra até ao meio-dia. Foi enterrado no mausoléu da família Morgan, num cemitério de Hartford. Os jornais estimaram o valor do seu património em cerca de 80 milhões de dólares (ou cerca de 2,5 mil milhões de dólares em 2025), uma fração da riqueza dos homens de negócios que financiou, o que levou John D. Rockefeller: “pensar que ele nem sequer era um homem rico!”.
O seu legado continua vivo. Em 1933, em resultado da Lei Glass-Steagall, a chamada Casa de Morgan foi dividida em três empresas distintas entre a J.P. Morgan & Co., que mais tarde se tornou Morgan Guaranty Trust, a Morgan Stanley e a Morgan Grenfell em Londres, que em 1990 foi adquirida pelo Deutsche Bank. Mas tanto a J.P. Morgan Chase como a Morgan Stanley ainda existem.
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